Crónicas

O regresso do entretenimento na Madeira

Está na cultura da próprio arquipélago uma simbiose quase perfeita entre o sossego e a alegria, entre o bem estar e a animação

Em Portugal Continental, o regresso dos bares e discotecas, na semana que passou, foi recebido com a natural euforia que um ano e seis meses ajudaram a criar. Na verdade, a expectativa que foi criada um pouco por todo o país acabou por concretizar-se com filas e filas, em alguns casos de centenas de metros e algumas horas de espera, só para entrar naqueles espaço mágico que representa um imaginário muito próprio para cada um de nós. Quem assistisse ao momento de abertura e tivesse estado adormecido este tempo de pandemia, provavelmente nem se teria dado conta que algo tinha mudado ou que alguma coisa tivera acontecido. As pessoas fartas de máscaras de distanciamentos sociais e de restrições entregaram-se à festa, talvez na opinião de muitos de forma excessiva mas que na realidade foi tão só uma libertação da sensação de amarras que foram vividas no tempo em que fomos todos remetidos às nossas casas, com horários controlados e limitações na própria circulação.

Esse é um caminho que terá de ser feito um pouco por toda a parte. A Madeira não será por isso excepção. Quando olhamos de fora vemos que está na cultura da próprio arquipélago uma simbiose quase perfeita entre o sossego e a alegria, entre o bem estar e a animação. Essa é aliás uma das razões do seu sucesso. O brilhante combate à sazonalidade que é feito com eventos de bandeira como a Festa da Flor, o Carnaval ou a Passagem de Ano são disso perfeitos exemplos, na forma como se transmite felicidade e animação sem ter que se cair num protótipo de Ibiza ou mercados similares que nada têm a ver com a nossa essência. Ainda assim é sempre bom recordar que a parte da animação noturna faz e fará sempre parte de um programa de entretenimento que não deve ser eliminado, porque existe essa necessidade de libertação por um determinado público ou estado de espirito, muitas vezes local, que precisa desse tipo de ofertas para se sentir preenchido.

Eu quando olho para as experiências que a Madeira me proporciona penso sempre no tempo ameno que me permite dar um mergulho nas águas mornas, mesmo que o areal seja escasso ou em muitos dos casos inexistentes. Penso na singularidade de cada concelho, na imensidão de propostas para fazer e na culinária que me deixa sempre uns quilos a mais no corpo. Mas penso também no quanto eu gosto de ir jantar fora numa das muitas esplanadas da região sem ter que levar com frio ou vento, na magia de ir beber uma poncha a um dos bares tradicionais ou na pura diversão de percorrer a rua da Alfândega e parar no Mini Eco onde fico à conversa com o meu amigo Lima e oiço a música que muitas vezes até em Lisboa tenho dificuldade em encontrar. Lembro-me também nos fins de noite numa das mais icónicas discotecas portuguesas. As Vespas do Emanuel com a sua multiplicidade de espaços que para mim têm o seu apogeu no Marginal. Ou ainda o amanhecer com a inigualável Sofia no Mercado, a comer sandes de filete de espada e uma imperial, a brindar à vida e a construir histórias para mais tarde recordar.

Falo em nomes de espaços e de pessoas porque a vida é isto mesmo. Feita de espaços e de pessoas que nos marcam e reproduzem as nossas memórias, que nos fazem lembrar de tempos maravilhosos, de momentos perfeitos. A Madeira sem cair nessa tentação de ser uma ilha em festa tem também esse lado animado, que não deve ser esquecido nem desvalorizado. Nem sequer isso tem que entrar em conflito com a imagem de bem estar e e sossego que se tentou ( e bem ) criar. Mas o dia e a noite vivem bem juntos. São casais inseparáveis que partilham o mesmo espaço. É por isso que para além da importância de recuperarmos o tempo perdidos dos nossos eventos marcantes é fundamental o regresso do entretenimento noturno. Porque ele é necessário para o equilíbrio e a saúde mental de muita gente. A Madeira habituou-me a recordar um tempo que já não se vive em Lisboa. Em que as pessoas levam uma saída a sério, como a noite da passagem de ano, vestidas a rigor, com conceitos muito próprios. Essa magia não se deve perder. O respeito pela história e pelos momentos. E se queremos trabalhar públicos que vão para além do sénior temos que entender a necessidade de enquadrar este tipo de atrações nos conteúdos que desenvolvemos. É por isso que me parece tão importante este regresso, seguindo os passos do Continente. Para que a vida comece a sentir o regresso à normalidade e porque as pessoas estão a precisar de se divertir e de se abstraírem dos inúmeros problemas e perdas que tiveram nestes meses tão estranhos mas também porque quem trabalha nesta industria merece regressar aos seus postos de trabalho e aos seus negócios. O regresso dos grandes eventos como o Carnaval ou a festa da Flor devem ser por isso muito saudados. O regresso do entretenimento noturno é a peça que falta para se completar o circulo. Que aconteça em breve e com condições é o que desejo.