Conferência da Womex denuncia atentados à liberdade artística no mundo da morte à censura
Desde 2017, foram mortos 46 artistas, detidos 590, 300 foram presos e mais de 1.300 foram censurados, acusou a organização Freemuse, numa conferência da Womex, que hoje denunciou hoje os atentados à liberdade artística no mundo.
A conferência "Artists as terrorists" (Artistas como terroristas, em tradução livre) versou sobre a "tendência de usar a legislação contraterrorismo, de forma errada, para oprimir a liberdade de expressão dos artistas", explicou hoje a coordenadora Paige Collings, da organização Freemuse, dedicada a defender a liberdade artística.
Segundo os números estimados por aquela entidade, desde 2017, em todo o mundo, 46 artistas foram mortos, 590 detidos, 300 presos, 326 perseguidos e 1.344 foram censurados.
Só este ano, até agosto, registaram 825 violações de direitos de liberdade de expressão, em 82 países, tendo quase 400 artistas enfrentado alguma forma de consequência jurídica.
Quem pratica estas violações são, na esmagadora maioria dos casos (71% desde 2018), os Governos, mas há também muitos atribuídos a entidades privadas, à própria comunidade artística e a políticos.
De todas as disciplinas, a música é aquela que mais sofre, com quase 50% dos casos observados.
Na sessão, participou também a realizadora germano-iraniana Yalda Yazdani, que se dedicou a mostrar as histórias de mulheres iranianas e afegãs que lutam para partilhar a sua arte.
No Irão, contou, "as mulheres não podem cantar", mas, "para os homens, também é um problema, porque passam por um processo de censura antes de partilharem a sua música".
"As gerações mais novas estão a encontrar maneiras de contornar a censura. Por isso é que vemos cada vez mais mulheres artistas. Criaram muitos espaços privados. Não há regulações claras que proíbam de atuar em espaços privados, por isso, fazem atuações em casa, que são publicadas nas redes sociais. Vemos muitas gravações de excelente qualidade, mas que são feitas em casa", descreveu.
Depois de filmar naquele país, sentiu necessidade de visitar o país vizinho, o Afeganistão, onde, "até junho de 2021, era possível ouvir atuações de mulheres afegãs, que tinham mais liberdade do que no Irão".
Quando filmaram, já os talibãs estavam a avançar no território.
Yalda foi mostrando alguns excertos dos testemunhos que recolheu. No primeiro, vê-se uma mulher que saiu do Paquistão para o Afeganistão em busca de um espaço para mostrar a sua voz. A artista volta a aparecer numa conversa com outras duas músicas em que questiona porque é que as mulheres artistas têm de ser sexualizadas, porque é que a sua voz não basta.
O excerto termina com um estrondo, que não se percebe se terá sido um tiro ou uma explosão, mas fica claro, pelas falas que ainda são apanhadas antes de cortar a cena, que o conflito se aproximava.
"Três semanas depois, [os talibãs] entraram em Cabul. O que é que vai acontecer a estas mulheres?", questionou a realizadora.
A cantora que protagonizava aqueles excertos volta a entrar em cena, desta vez num vídeo enviado já depois de os talibãs terem tomado controlo do país.
"Agora não temos nada", conta.
Questionada por Paige Collings sobre se ela ou se as mulheres que figuram nos filmes que fez têm ou alguma vez tiveram medo das consequências, Yalda Yazdani explicou que "é importante manter o contacto com estes artistas para perceber se este conteúdo será um problema para eles ou não".
"Com as mulheres afegãs, perguntámos se queriam que mostrássemos o filme neste festival. Elas disseram que sim, porque esta é a altura em que é importante que as suas vozes sejam ouvidas. Elas continuam dentro do país e estão em risco, mas querem ser ouvidas".
Yalda Yazdani frisou ainda que "os órgãos de comunicação social esquecem, ao fim de quatro meses, mas estas vidas continuam em risco".
A feira internacional de música Womex (World Music Expo) decorre no Porto até domingo, com mais de 200 'stands', com representantes de mais de 70 países, e atuações de 60 artistas.