“Ruído Propagandístico” *
1. Disco: Blondie “Vivir en la Habana”, não por ser um grande disco, mas por me lembrar a única vez que os vi ao vivo. Foi num Alive, penso que em 2011, onde abanei o esqueleto ao som dos seus velhos êxitos, ao lado de uma data de maduros, enquanto as minhas filhas perguntavam quanto tempo faltava para os Coldplay subirem ao palco.
2. Livro: tenho muito presente que, a haver proximamente um Nobel português, será Gonçalo M. Tavares. Recomendo que lhe leiam a obra toda e, se não tiverem paciência para isso, comprem, leiam e guardem a decalogia (sim, 10 livros) “O Bairro”. Simplesmente maravilhoso.
3. Deve ser da idade. A minha habilidade com as ferramentas informáticas piora de ano para ano. Já tinha este texto todo escrito desde meados da semana passada. Ou melhor, já tive uma crónica escrita, desde meados da semana passada. Cheguei ao fim, inclinei-me na cadeira, espreguicei-me, lembrei-me de qualquer coisa que tinha para fazer e fui fazê-lo. Não gravei o texto e horas depois, ao passar pela secretária, deu-me para desligar o computador à bruta. Foi-se.
Comecei essa crónica tentando fazer o que o novel presidente da câmara do Funchal pediu, na longa noite eleitoral e após saber da sua vitória: “podem começar a apontar num papelinho as promessas que vamos cumprir. Daqui a quatro anos, o nosso programa vai estar inteiramente realizado. Essa é uma promessa nossa. Vamos cumprir tudo aquilo que prometemos”.
Não lhe conheci programa eleitoral, mas ouvi-lhe promessas aos molhos, quase diariamente. O trabalho seria impossível de publicar na página que o DN cordialmente me cede todas as semanas. Ultrapassaria em caracteres e espaço o que me é disponibilizado. Talvez uma separata.
4. Há males que vêm por bem. Tenho ideia de ser uma coisa chata, sobre as eleições, se calhar um pouco justificativo do mau resultado que tive em Santa Cruz. Não há justificação nenhuma. A democracia funcionou. Apresentámos as nossas propostas, com os poucos meios que tínhamos disponíveis, os eleitores pensaram que não era o que lhes interessava, e agora é seguir.
Eu perdi. Não fui derrotado porque continuo com as minhas convicções e as minhas razões, que defendi, defendo e continuarei a defender. A política não é uma guerra, nem as eleições são batalhas. A democracia não contempla inimigos, privilegia adversários.
Acabei a campanha cansado e com a consciência tranquila. Não prometi nada que não pudesse cumprir. Propus para Santa Cruz um novo modelo baseado num paradigma de modernidade e onde o munícipe fosse o centro de toda a actividade municipal, considerando as necessidades de cada um e as suas possibilidades de futuro.
Desejámos que todos tivessem um seguro municipal de saúde; que a derrama municipal desaparecesse, criando atractividade para que novas empresas se viessem instalar no concelho, criando mais emprego; um município sem taxas, nem tachos; culturalmente activo e participante; um concelho sustentável e sem sustentados; moderno, transparente e com grande agilidade administrativa; um município com menos “verdinho” e muito mais natureza.
Fica-me a felicidade de sentir que houve uns quantos que perceberam o que propúnhamos. Outros pensaram que as soluções propostas por outras candidaturas eram melhores e, conscientemente, fizeram a sua escolha. Só temos de ficar agradecidos a todos os que foram exercer o seu direito, independentemente do projecto que escolheram.
Ao longo da campanha e do período que a antecedeu, recusei o ataque baixo, a insinuação, o insulto e a incapacitação dos outros.
Um dos motivos que me causa desânimo é a baixa política. Não me senti particularmente atacado, mas a acrimónia que constatei nas outras candidaturas, que transformaram um momento especial da democracia, como é a campanha eleitoral, numa guerra com constante troca de acusações baixas, tipifica desrespeito pelos outros e deficiente abordagem democrática. Quando devíamos estar a trocar argumentos e ideias, o que vimos foram os costumeiros donos da verdade que tudo sabem e não precisam ouvir mais nada.
A democracia, para mim, é o centro da actividade política. Tem de ser merecedora de todo o nosso respeito. Não podemos ser condescendentes com isso. Não podemos abdicar de nenhum dos seus princípios.
Tive comigo uma equipa fantástica que me proporcionou momentos irrepetíveis. Com maneiras diferentes de ver as coisas e sempre preparada para a “nuance”, para o compromisso, para a cedência, de maneira que pudéssemos navegar juntos e em sincronia nas remadas. O que não sabíamos perguntávamos, pois não vivemos na arrogância de que somos donos da verdade. Nunca olhámos, para os que não pensam como nós, com superioridade. Reconhecemos, nas outras candidaturas, boas propostas que não teríamos nenhum problema em apoiar.
Quisemos marcar a diferença e convidámos todos os cabeças de lista, das outras candidaturas, para que a nós se juntassem para conversarmos. Sem intermediários, uma conversa de quem deveria ter em comum um grande amor por Santa Cruz. Uma maneira de encontrarmos pontos comuns nas nossas discordâncias. À excepção do candidato da coligação VOZ, nenhum dos outros teve, sequer, a boa educação de responder, nem que fosse para recusar. Se isto não demonstra quem são e ao que vêm…
5. Todos nós que temos preocupações políticas, sabemos o quanto estas, por vezes, têm efeitos perniciosos sobre amizades, família, grupos onde interagimos e nos relacionamos. Estas questiúnculas tornam-se, muitas vezes, mais importantes do que tudo o resto e a política, que mais não deveria ser do que um conjunto de regras e modelos que organizam a nossa vida em comum, torna-se abjecta.
Posso concordar com um correligionário sem necessidade de o pôr num altar ou discordar de um adversário sem lhe desejar uma morte lenta e dolorosa — politicamente, claro. No entanto, compreendo o ponto a que chegámos, o mal-estar que perpassa pelo tecido social, que leva muitos a achar a política velhaca e quase que desnecessária, como se não fosse essencial ao modo como vivemos.
Muitos olham para o seu “gosto” político como se este fosse um clube de futebol: imutável. Outros têm uma relação quase religiosa com o seu partido ou, mesmo, com a falta dele. Berram, alto e bom som, que se vão abster de votar do mesmo modo que aqueles que renegam a Deus por este não lhes ter satisfeito um qualquer desejo. Esquecem-se de que, para renegar a Deus, é preciso primeiro nele acreditar.
Um dos direitos que a democracia nos dá, é o de não votar. Tentemos olhar para as organizações políticas como entidades perfeitamente normais, afectadas pelas mesmas contradições e deficiências que todos temos — se não nos julgarmos perfeitos. Compreendo-os, pois vivemos tempos onde a inteligência política não é abundante. No entanto, o sistema só pode ser mudado por dentro. Queiram ou não queiram. Que se contenham os que pensam que um destes dias cairá do céu uma qualquer coisa que seja melhor que isto.
Embora tenha uma reverência, quase religiosa, pela democracia e considere assim o acto de votar uma espécie de comunhão, hoje em dia, já não o exerço particularmente entusiasmado, pois já vi este filme muitas vezes, sempre com o mesmo final.
6. “A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide a pensar nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações.” - Winston Churchill.
* Desculpem, não resisti. Foi mais forte do que eu…