O bom, o mau e o carrasco
A chegada de Aristides ao Panteão não é o fim da sua história, mas pode ser uma oportunidade para voltar a contá-la
Ainda não é Natal e já há notícia de um milagre no Partido Socialista da Madeira. A boa nova da ressurreição presidencialista. Ao domingo, Paulo Cafôfo renunciou ao mandato de deputado e demitiu-se da presidência. À segunda-feira, a renúncia transformou-se numa confortável suspensão. À terça-feira, a demissão tinha margem para ser reconsiderada. À quarta-feira, o presidente demissionário ficava por mais seis meses. À quinta-feira, esqueceu a demissão e assinou como presidente em exercício. A este ritmo, até ao final do mês ainda acaba candidato a qualquer coisa. O PS pode ter perdido um primeiro-ministro em Lisboa, mas ressuscitou um presidente na Madeira.
O bom:
Aristides de Sousa Mendes
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Há reconhecimentos que, por mais tardios que sejam, serão sempre justos. Aristides de Sousa Mendes, herói português frente ao nazismo em 1940, chegou, em 2021, ao Panteão Nacional. Reza a história que o cônsul português em Bordéus, à revelia de Salazar e com Paris invadida pelos alemães, emitiu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados que, desesperados, se amontoavam à porta do consulado. Há quem conte mais de 40 mil pessoas, salvas pela caneta de Aristides. Em vida, a desobediência valeu-lhe o afastamento da carreira diplomática e a aposentação obrigatória, sem direito a reforma. Depois da morte, houve uma elite política que nunca lhe perdoou a afronta ao Estado Novo e, à conta desse ressentimento, o quis apagar da História. Talvez por isso, Israel tenha reconhecido o cônsul quase 30 anos antes de Portugal, em 1986, o ter começado a fazer. Apesar de tudo, o que mais revolta na história de vida de Aristides, é que muitos portugueses a desconhecem por completo. E esse apagão histórico não se resolve com medalhas ou homenagens no Panteão. Obviamente que não as impede, nem as diminui, mas é começar pelo fim. Como se tivéssemos cuidado, com apreço, da vida e da memória do cônsul português e apenas faltasse este reconhecimento final. Infelizmente, não é o caso. Reconhecer a coragem de Aristides seria, antes de mais, trazê-la para as escolas, para as salas de aulas e, com isso, garantir que a sua história vive na nossa memória coletiva. Que houve um português que, contra o seu governo e perante a ameaça nazi, arriscou a sua vida para salvar a de milhares. A chegada de Aristides ao Panteão não é o fim da sua história, mas pode ser uma oportunidade para voltar a contá-la.
O mau:
António Costa
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Não é o primeiro Orçamento do Estado chumbado em democracia, mas é o primeiro chumbo que precipita a queda de um governo. A lista de culpados orçamentais é longa e alimenta-se de muita imaginação política. Nas trincheiras partidárias, a culpa da ausência de orçamento é do Bloco, do PCP, do PSD, do CDS, de Marcelo, de Cavaco, de Paulo Rangel e, se estivermos inspirados, até de Passos Coelho. Na verdade, se quisermos ser sérios, há apenas um responsável político, ainda por cima confesso, da crise orçamental - António Costa. Da paupérrima discussão do orçamento, reduzida à avaliação se o documento era suficientemente à esquerda para que a esquerda o aprovasse, ficou a intervenção de um primeiro-ministro cáustico para os adversários e armado de uma enorme soberba. Por momentos, Costa parecia Sócrates. E enquanto o país se prepara para eleições antecipadas, importa relembrar que chegámos aqui porque o PS quis, com um governo minoritário, governar como se tivesse maioria. Então, o que muda com eleições? À esquerda, muito pouco. Serão os mesmos protagonistas, a discutir as mesmas propostas, presos no mesmo impasse. No beco em que Costa colocou o PS, só há uma saída - ficar sozinho à esquerda. Se a crise política apanhou PSD e CDS em contra pé, criou no PS a obrigação de conquistar uma maioria absoluta com votos que apenas existem à sua esquerda. Para ganhar eleições, o PS vai fazer campanha no terreno da geringonça. Isso significa que teremos um PS cada vez mais radicalizado e mais afastado dos consensos ao centro. Infelizmente, é esse o legado que António Costa deixa ao país.
O carrasco:
Partido Comunista Português
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Embora Costa fosse o rosto visível do ajuntamento circunstancial à esquerda, vulgo geringonça, a sua chave sempre foi o PCP. Basta recuar a 2015. Então, enquanto PSD e CDS festejavam a vitória eleitoral, Jerónimo de Sousa anunciava que o PS só não formava Governo se não quisesse. Costa quis e fez-se a geringonça. Por isso, apesar de ter tido vários patrocinadores ao longo dos anos, o governo de António Costa assentou no pilar parlamentar do PCP. Até que chegámos a 2021 e o PCP passaria de parceiro preferencial a carrasco da geringonça. Os comunistas dirão que o fim do acordo não-escrito com o PS é político e causado pela desilusão orçamental. Até poderá ser, em parte, mas a principal razão para o divórcio com o PS é a aritmética eleitoral. O PCP decidiu que era preferível sujeitar-se ao castigo dos eleitores agora, mantendo as suas bandeiras ideológicas, do que arriscar a irrelevância eleitoral e política em 2023. Essa não é, contudo, a questão principal. O que inquieta é como o Partido Comunista teve, em pleno século XXI, a chave para o governo de um país democrático europeu. É caso único na União Europeia. Durante 6 anos, confiámos a estabilidade do país a um partido que convive alegremente com o regime da Bielorússia, com a perseguição aos opositores de Putin e que continua a acreditar que o muro de Berlim apenas servia para impedir os europeus de acederem ao paraíso socialista.