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Panache

A questão das boinas e hinos recentemente levantada parece artificial e empolada

Antes de mais, não confundir panache com panaché, essa bebida agora na moda, consumida por quem não gosta de cerveja nem de limonada, e assim mistura ambas, para disfarçar.

Panache, na sua origem, era um ornamento de plumas colocado no capacete dos militares de cavalaria, no século XVI e seguintes. Forma de distinção em relação ao resto das tropas, cedo se tornou símbolo de corpos de elite.

A palavra tomou, em linguagem corrente, outros significados, com o porte, a atitude, o espavento, o brio individual ou coletivo.

Edmond Rostand, ao criar o personagem da sua peça Cyrano de Berjerac, dotou-o de uma panache inolvidável. Exemplo de romantismo heroico, nas antípodas do romantismo piegas.

As formas de distinção são tão antigas como os exércitos organizados. Baseadas em tradições de feitos em combate, ou necessidade de afirmação, como a dos penachos brancos e vermelhos dos Royal Fusiliers, recordação da batalha de Waterloo, à custa dos penachos brancos sujos de sangue da Guarda Imperial de Napoleão; ou a tradição italiana das penas de galo dos Bersaglieri ou de águia do Caçadores Alpinos; ou ainda o traje de lansquenete da Guarda Suíça do Vaticano, semelhante ao dos mercenários que se deixaram massacrar em 1527 para defender o Papa Clemente VII.

Entre nós, as tropas especiais surgiram nos anos 50, com a criação dos paraquedistas, curiosamente na Força Aérea e não no Exército. Lembremos que, à data, o Ministro do Exército era Santos Costa e o Secretário de Estado da Aeronáutica Kaulza de Arriaga. Se aquele era o defensor de um Exército de massas, este era o defensor das tropas especiais; tinha já criado os Sapadores de Assalto, em Tancos, e veio a criar os Grupos Especiais (boina amarela) e Grupos Especais Paraquedistas (boina vermelha), em Moçambique.

Com a evolução da Guerra em Angola, foram criadas as Companhias de Caçadores Especiais, de boina castanha, os Comandos, de boina grenat, e os Fuzileiros Especiais da Marinha, de boina azul. Se a boina castanha se vulgarizou, o mesmo não sucedeu com as outras, preservadas ciosamente por quem tinha conseguido, à custa de muitos sacrifícios, tal distinção.

Assim se continuou a tradição duma panache, vinda do fundo dos tempos, mais formalmente instituída por Henrique IV, de França.

Olhar para o Exército Inglês confunde os leigos na matéria. Com efeito, tirando o uniforme de gala e a farda de campanha, as unidades parecem de diferentes países. Boinas, bonés, cinturões, kilts, casacos, tudo parece diferente, Mas é uma forma de afirmar o espírito de corpo dos regimentos, de que o Reino Unido não abdica, e não parece que a coesão das suas Forças Armadas se ressinta disso.

A questão das boinas e hinos recentemente levantada parece artificial e empolada. Porque temos as nossas tradições, velhas de quase nove séculos.

E a panache sempre existiu entre nós, avant la lettre (perdoem-me o galicismo), nas antigas crónicas guerreiras.

Como Simão Gonçalves da Câmara, o Magnífico, que armou à sua custa várias expedições de socorro às praças do Norte de África, e morreu endividado.