Crónicas

A AFARAM e a valsa lenta do Governo Regional

A verdade é que a AFARAM tem feito um trabalho que tem poupado dinheiro ao Governo Regional porque responde às necessidades destas famílias

Segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses em Portugal são cerca de 2,3 milhões as pessoas que necessitam de apoio psicológico. Este número significa que uma em cada cinco pessoas padece de um problema de saúde psicológica que requer acompanhamento profissional. No que diz respeito a perturbações mentais graves, e segundo dados disponibilizados pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, as perturbações mentais e do comportamento representam 11,8% da carga global das doenças, uma percentagem mais elevada do que, por exemplo, a das doenças oncológicas.

A Saúde Mental é, manifestamente, um problema que não pode continuar a ser considerado menor e para o qual precisamos desenvolver respostas para as diferentes fases deste tipo de doenças, respostas que vão ao encontro das necessidades das pessoas vítimas destas doenças e respetivas famílias.

No caso específico da Região, para além das unidades de intervenção nas situações mais agudas, pouco se tem investido na redução dos períodos de crise através de uma reabilitação sustentada das pessoas após um período de internamento. Este problema, o da ausência de respostas públicas para esta fase, é especialmente gravoso para as pessoas e famílias de parcos recursos.

A Associação de Familiares e Amigos do Doente Mental da Região Autónoma da Madeira – AFARAM, é uma associação sem fins lucrativos que tem vindo a construir uma das poucas respostas disponíveis. Constituída desde 2001, a funcionar ativamente desde 2004, desenvolve trabalho diário com cerca de 40 pessoas. Para além das iniciativas de sensibilização da comunidade para o impacto que a doença mental tem nas pessoas, a Associação começou por criar um fórum sócio-ocupacional, um espaço que tem em vista a reinserção social dos e das doentes e que constitui uma preciosa ajuda às famílias envolvidas e que tem sido uma importante resposta no âmbito da reabilitação psicossocial de pessoas em recuperação de uma fase aguda. Atualmente, o fórum sócio-ocupacional presta apoio diário a 10 pessoas. Mas foi o contacto com as condições precárias e a falta de apoio familiar que algumas das pessoas acometidas de doença mental têm que fez com que a Associação fosse mais longe e desenvolvesse uma outra valência: unidades de residência para quem não têm condições para se manter em casa. Esta resposta acolhe cerca de 30 pessoas, em três espaços diferentes, sendo um deles um apartamento de autonomização para quem já está numa fase de reabilitação mais avançada.

Obviamente que um trabalho com esta dimensão e com inúmeras valências precisa de recursos para as muitas despesas: os salários e a segurança social das pessoas que trabalham na Associação, o arrendamento dos espaços, contas da água, luz, telefone e acesso à internet, as refeições dos e das utentes e os seguros necessários para uma operação desta envergadura.

Com o que conta a Associação para fazer face a tudo isto?

Em termos de angariação de fundos, a Associação conta com uma parte das pensões das pessoas residentes (geralmente muito baixas e que não cobrem as despesas), conta com pequenos donativos e com a sensibilização de alguns juízes e juízas que nomeiam a AFARAM como beneficiária de algumas multas.

No que diz respeito a auxílio por parte do Governo Regional, foi celebrado em 2010 um acordo atípico de apoio ao fórum sócio-ocupacional que garante 3200 euros mensais. Facilmente se percebe que esta verba é curta, se pensarmos só no número de profissionais especializados que são necessários para um projeto desta envergadura.

Neste momento, e após anos a tentar sensibilizar o Governo Regional para a importância do trabalho desenvolvido e para a necessidade de haver um apoio orientado para a valência residencial, a AFARAM está no limite.

A generosidade dos/as voluntários/as que dão o seu tempo à Associação, a boa vontade dos/as profissionais que lá trabalham, o reconhecimento das famílias quanto ao trabalho desenvolvido têm mantido as portas da associação abertas. Mas a verdade é que não pode continuar sem as condições financeiras minimamente necessárias para o trabalho que desenvolve, um trabalho fundamental que deveria ser incentivado e replicado por quem tem o dever de criar respostas sociais para as pessoas nesta situação e respetivas famílias.

Note-se que as entidades oficiais louvam a importância do trabalho desenvolvido. Simplesmente não acompanham esse reconhecimento com medidas efetivas de apoio e que são necessárias para a continuação do trabalho. Apesar dos esforços desenvolvidos pela Associação para sensibilizar as várias entidades públicas para as enormes dificuldades, apesar das várias solicitações para que a associação integre a rede de cuidados continuados, para que haja um contrato-programa que apoie a valência de residência para pessoas em recuperação, o que tem havido é um lavar de mãos constante: a Secretaria da Saúde acha que o trabalho da Associação diz respeito à Secretaria da Inclusão Social e Cidadania e a Secretaria da Inclusão Social e Cidadania inclina-se mais para que isto não lhe diga respeito e seja da responsabilidade da Secretaria Regional da Saúde.

No meio deste jogo de ping-pong entre Secretarias que, na verdade, deviam garantir muito mais respostas desta natureza, está a Associação. Se esta ausência de respostas efetivas por parte das entidades competentes continuar, a AFARAM terá de fechar as residências porque não conseguirá manter os arrendamentos dos espaços que acolhem as 30 pessoas que tem a cargo nem conseguirá manter o emprego das nove pessoas que garantem o acompanhamento e reabilitação dos e das utentes.

Esta ausência de respostas por parte do Governo Regional revela bem a apatia e falta de visão perante o problema da doença mental. A verdade é que a AFARAM tem feito um trabalho que tem poupado dinheiro ao Governo Regional porque responde às necessidades destas famílias e contribui para a diminuição de episódios agudos da doença mental que, por norma, requerem internamentos, mais ou menos prolongados, em unidades de saúde. E sublinhe-se que um internamento é um retrocesso de cinco anos na reabilitação das pessoas acometidas pelo episódio agudo. É este trabalho que não tem recebido o devido reconhecimento e auxílio necessário. Esperemos que as entidades responsáveis arrepiem caminho. Para bem das pessoas que dependem da AFARAM, para bem de todos e todas nós.