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Só 1 em cada 7 doses de vacinas prometidas aos países pobres foi entregue

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FOTO EPA/JAGADEESH NV

Apenas uma em cada sete doses de vacinas da covid-19 prometidas aos países mais pobres foi entregue, revela um relatório ontem publicado pela organização Aliança Vacinas do Povo, apelando a uma mudança de comportamento de Estados ricos e farmacêuticas.

Segundo o relatório, intitulado "Uma Dose de Realidade", dos 1,8 mil milhões de doses prometidas pelos Estados mais ricos, apenas 261 milhões (14%) chegaram aos países de baixos rendimentos.

O documento, elaborado pela Aliança Vacinas do Povo, uma coligação de grupos que inclui a Oxfam, a ActionAid e a Amnistia Internacional, refere ainda que as farmacêuticas ocidentais entregaram apenas 12% das doses que era previsto alocar à Covax, a plataforma de ajuda aos países mais pobres para acesso às vacinas contra a covid-19.

"O incumprimento das doações dos países ricos e o fracasso da Covax têm a mesma causa: o facto de ter sido dado controlo do fornecimento de vacinas a um pequeno número de empresas farmacêuticas, que estão a dar prioridade aos seus próprios lucros", acusou hoje o dirigente da Oxfam e porta-voz da Aliança Vacinas do Povo, Robbie Silverman.

"Estas empresas não produzem o suficiente para vacinar todas pessoas do mundo e estão a restringir artificialmente o fornecimento, colocando sempre os clientes mais ricos na lista de prioridades", sublinhou, defendendo que só há uma forma de acabar com esta situação.

"Para acabar com a pandemia é preciso [que as farmacêuticas] partilhem a tecnologia e conhecimento com outros fabricantes qualificados para que todos, em todo o lado, possam ter acesso a vacinas que salvam vidas", apelou.

O relatório aponta alguns exemplos do comportamento de países ricos nesta matéria.

O Governo do Reino Unido, que tem negado sistematicamente dar permissão a países como a África do Sul ou a Índia para produzirem as suas próprias vacinas, entregou apenas 9,6 milhões - menos de 10% - dos 100 milhões de doses que prometeu dar aos países mais pobres.

Enquanto isso, o país ficou com meio milhão de doses da Covax, apesar da extrema escassez de vacinas nos países em desenvolvimento e de já ter garantido doses mais do que suficientes para todos os britânicos em acordos diretos com as farmacêuticas.

O Canadá, por seu lado, ficou com mais de 970.000 doses da Covax e distribuiu apenas 3,2 milhões, ou seja, 8% dos 40 milhões de doses prometidas.

A Alemanha, outro país que se tem mostrado contra a abertura pública das patentes das vacinas, entregou 12% dos 100 milhões de doses prometidas, enquanto a França entregou apenas 9% dos 120 milhões que prometeu doar.

Os Estados Unidos distribuíram a maior quantidade de doses - quase 177 milhões de doses -, mas o número constituiu apenas 16% dos 1,1 mil milhões de doses prometidas.

Mas as acusações da organização não visam apenas os Estados mais ricos.

Segundo a Aliança de Vacinas, as farmacêuticas minaram a iniciativa Covax ao não partilharem doses suficientes e ao entregarem muito menos do que as promessas feitas inicialmente.

Segundo o relatório hoje publicado, dos 994 milhões de doses prometidas à Covax pelas farmacêuticas Johnson & Johnson, Moderna, Oxford/AstraZeneca e Pfizer/BioNTech, apenas 120 milhões ? 12% ? foram realmente entregues, o que representa 15 vezes menos do que os 1,8 mil milhões de doses entregues aos países ricos pelas mesmas empresas.

Segundo o documento da organização, nem a Johnson & Johnson nem a Moderna entregaram uma única dose prometida à plataforma.

Apesar de a Organização Mundial de Saúde defender que a prioridade global tem de ser entregar as doses prometidas para os países em desenvolvimento até ao fim deste ano, a Aliança alerta que os países ricos só estão a planear entregas para 2022 e, mesmo assim, em quantidades inferiores às necessárias.

Esta postura, avisa a organização, "pode levar a inúmeras mortes desnecessárias".

"Estamos cansados destes gestos que chegam tarde demais. Temos 99% das pessoas dos países em desenvolvimento ainda sem vacinação", afirmou hoje Maaza Seyoum, da Aliança de Vacinas dos Povos de África.

"Os Governos têm de parar de permitir que as empresas farmacêuticas façam o papel de deus enquanto arrecadam lucros astronómicos. Têm de começar a agir para salvar vidas", exigiu.

A uma semana da cimeira G20 em Roma -- que reúne os líderes das 19 maiores economias do mundo e da União Europeia -, a Aliança Vacinas do Povo (que junta 77 membros, incluindo a ActionAid, a Aliança Africana, a Global Justice Now, a Oxfam e a UNAIDS) quer que os países ricos assumam as suas responsabilidades e cumpram as promessas relativas às vacinas.