A ditadura da democracia
Não dar voz a quem a deve ter tem um nome: ditadura! Esta é a ditadura da democracia!
Por estes dias, é discutido o Orçamento de Estado para o próximo ano, lá para os lados da Assembleia da República Portuguesa!
Ora bem, para um leigo como eu, com formação numa área bem diferente mas com alguma necessidade de fazer contas de deve e haver, um orçamento é uma expressão das despesas necessárias para um determinado objectivo num determinado período de tempo e das receitas indispensáveis para que as contas batam certas.
Simplificando, quanto é que há para gastar sem se endividar!
Sabemos que em política, na política dos governos, endividar-se é “pão nosso de cada dia” porque depois há de vir um imposto para compensar. Mas mesmo assim são necessárias contas, principalmente contas em que a bota jogue com a perdigota.
E é precisamente este bater da bota com a perdigota que deveria estar a ser debatido por estes dias.
Mas não é bem assim, porque acabam, os partidos, a falar de outros assuntos, sejam fracturantes ou corriqueiros, que deveriam ser tratados em sede própria, com discussões abertas e francas sem serem moeda de troca para um qualquer voto de aprovação de um orçamento que é, eventualmente, contrário às suas crenças e ideias.
O nosso Presidente acena com uma crise se assim não fôr: “debatam o Orçamento!, diz ele. “Debatam o Orçamento e aprovem-no dê por onde der, porque eu não quero eleições antecipadas”.
Mas os partidos querem mais e, aproveitando o espectro de crise, exigem mais ao governo, muito para além do que o Orçamento prevê como deve ou haver!
Exigem coisas que o programa do Governo não preconiza, como forma de pagamento de um favor feito ao aprovar um orçamento que não é de todo da sua simpatia: “dás-me esta cenoura e eu aprovo o teu orçamento”. Mais ou menos isto ouvi uma dirigente partidária confessar publicamente.
O nosso Presidente diz que a eventualidade de eleições antecipadas é, ou pode ser, um atrapalho. Um atrapalho para receber os fundos comunitários da bazuca, um atrapalho para o normal andamento da coisa pública, um atrapalho para as regras da democracia. O nosso Primeiro diz que só sai se fôr bem empurrado (o poder está-lhe entranhado) e que tem de ficar porque senão vem o bicho e come (onde é que já ouvi isto?).
Sempre pensei que as eleições e os seus resultados serviam para isto mesmo: para que quando as pessoas que dizem representar o povo não se entendem, então o povo deve ser chamado a decidir se quer que estas pessoas continuem ou não.
A isto, aprendi, chama-se democracia!
Mas não, aparentemente “vade retro”, que essa coisa de eleições fora daqueles quatro anos a que habitualmente se convencionou chamar de “Legislatura” é coisa que não fica bem. Só dá trabalho, maçada e despesa, e essa coisa de ouvir o povo é coisa que só se deve fazer uma vez a cada quatro anos. Entretanto comam com o que têm e basta!
Assim a democracia fica limitada aos calendários que os políticos definem como os mais convenientes para os seus objectivos e entretanto não se pode dar voz a quem a deve ter.
Não dar voz a quem a deve ter tem um nome: ditadura!
Esta é a ditadura da democracia!
Haja o que houver, aguentem-se por quatro anos, tempo suficiente para os partidos fazerem os arranjinhos que bem entendem à boleia de uns votos a favor por alturas de Orçamento de Estado.
Mas como dizia Churchill (que subscrevo):
“a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há melhor sistema que ela”!
P.S. – reprise por cá no próximo mês!