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Parlamento questiona Governo sobre atraso no diploma dos direitos de autor

Foto: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
Foto: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Os deputados questionaram hoje, no Parlamento, o atraso do Governo na transposição das diretivas sobre direitos de autor e direitos conexos, acusando-o de fazer um trabalho à pressa, sem fundamentação nem audições, e que não protege os mais fracos.

O parlamento debateu hoje duas propostas de lei relativas a direitos de autor e direitos conexos, que transpõem para a ordem jurídica nacional duas diretivas europeias sobre esta matéria, que deveriam ter sido transpostas até ao passado dia 7 junho.

Um dos diplomas estabelece normas sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões 'online' dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio, a fim de reforçar a diversidade europeia e aumentar o número de programas de rádio e televisão disponibilizados 'online' aos consumidores europeus.

O outro diz respeito aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital, e procura compatibilizar a regulação do uso de obras autorais em ambiente digital (nomeadamente em plataformas da Internet) com a defesa da liberdade de expressão, o progresso da investigação e o desenvolvimento tecnológico.

Esta diretiva foi criada para proteger a titularidade dos conteúdos de artistas, músicos, escritores e jornalistas na internet, criando regras para a utilização do seu trabalho por terceiros.

Como explicou a ministra da Cultura, Graça Fonseca, no Parlamento, o pressuposto fundamental desta diretiva assenta no facto de a distribuição 'online' de conteúdos protegidos por direitos de autor ser transnacional, pelo que só mecanismos adotados à escala europeia poderão assegurar o correto funcionamento do mercado de distribuição de obras e assegurar a sustentabilidade do setor da edição face aos desafios do meio digital.

Os deputados da oposição lamentaram o atraso do Governo, ao ponto de Portugal ter sido alvo de sanções por parte da União Europeia, e recusaram discutir agora o "assunto à pressa", porque o Governo se atrasou.

O deputado do PAN Nelson Silva criticou que o documento apresentado pelo Ministério da Cultura replique os "grandes titulares de direitos de autor" e que tenham sido ouvidos as "grandes plataformas tecnológicas e alguns representantes dos artistas", mas que se tenha esquecido de vários representantes da sociedade civil, como associações de defesa dos direitos digitais e também dos criadores.

O PAN considera que este "deveria ser um processo mais transparente do que a proposta propõe" e encara com "alguma gravidade" que "um tipo de artistas" tenha sido esquecido nesta proposta: "Os que não são autores nem intérpretes, que são artistas executantes".

Pelo CDS, o deputado Miguel Arrobas condenou igualmente o atraso na entrega do proposta do Governo e o facto de esta não se fazer acompanhar de qualquer documento que a fundamente.

"Por que motivo precisou de dois anos para fazer chegar [o diploma] ao parlamento, e agora tem o Parlamento de tratar este tema denso e complexo à pressa, sem tempo provavelmente para as audições necessárias?", questionou o deputado, que sublinhou o empenho do partido em "contribuir [em sede de especialidade] para que o texto a publicar seja o mais claro e consensual possível".

Na opinião do BE, pela voz da deputada Alexandra Vieira, "devido à inércia do Governo", a transposição corre o risco de ser um "copiar e colar".

A bloquista criticou igualmente o facto de a proposta de lei não ser acompanhada de qualquer documento a fundamentá-la e de não ter disso referido pelo governo qualquer consulta que tenha realizado.

O documento será agora submetido a consulta pública, mas "a mesma deveria ter sido feita antes do fim do prazo", arriscando-se agora a ser feita "de forma apressada", algo com que o BE não pode "compactuar", afirmou.

Além disso, considerou que "a proposta de lei, tal como está, será um veículo de espoliação do rendimento dos artistas a favor de produtores e distribuidores multinacionais, que nem sequer pagam impostos em Portugal", pelo que o partido votará contra, propondo-se a dar os seus contributos em sede de especialidade.

"Esperemos que não seja mais uma caso de transposição cega e à pressa, que adicione mais contradições e aspetos negativos ao texto original", disse, por sua vez, a deputada comunista Ana Mesquita.

Na opinião do PCP, o mercado único digital "tem sido um instrumento promotor de desigualdade entre os Estados membros, degradando a produção nacional no país".

"Aliás, na medida em que grande parte do tecido empresarial tem de fazer face à concorrência europeia e à brutal desigualdade de circunstâncias perante a hegemonia das multinacionais, é fácil perceber o dano que pode ser causado aos mais fracos, às micro, pequenas e médias empresas de todas as áreas, incluindo na cultura e na comunicação", afirmou, lembrando que as plataformas 'online' são promotoras de monopólio e fortalecimento de mercado nas empresas multinacionais.

O PCP considera que a proposta não é a mais positiva para os autores e criadores de países mais pequenos como Portugal e não representa um instrumento que contribua para a disseminação, a partilha e o acesso de conteúdos culturais, além de não garantir o que é uma justa remuneração aos autores.

Para os comunistas, a proposta acaba por "respaldar os interesses de grandes operadores privados e da grande indústria cinematográfica, dificultando ainda mais a vida de quem trabalha nesta área" em Portugal, pelo que não acompanhará o Governo na sua aprovação "nos moldes atuais".

O deputado Paulo Rios, do PSD, considera estar-se perante uma "trapalhada", em primeiro lugar porque o Governo sabia que tinha dois anos para transpor a diretiva, "sabia e foi avisado", e não cumpriu.

Por outro lado, começou por apresentar um pedido de autorização legislativa que depois mudou para proposta de lei, depois mudou o texto e ainda "se dá ao luxo de pedir uma urgência que permitiria abrir e fechar este debate no mesmo dia".

"Como se este documento fosse suscetível de ser discutido num só dia", afirmou sublinhando que o PSD não aceitará "fazer esta discussão à pressa".

Paulo Rios considerou ainda que a proposta em causa "é tímida, muito pouco arrojada, segue de muito perto a diretiva e dá vontade de perguntar, se era dois anos para isto já podiam ter feito há mais tempo".

"Como é que o governo, que há 15 dias entregou o pedido de autorização legislativa, pedindo ao parlamento 180 dias para legislar sobre este tema, e passado 15 dias tem o documento completo e até se propõe fechá-lo e votá-lo sem discussão? Como é que é possível?", questionou.

No final das intervenções, Graça Fonseca explicou que o Governo procurou sempre que as "diretivas sejam transpostas em quadro de concertação entre todos os Estados membros", justificando assim o tempo que estiveram a "aguardar", tal como outros 22 países da União Europeia que também não cumpriram o prazo e foram alvo de sanções.

A ministra salientou a "vantagem" de Portugal estar concertado com os outros países e ao nível da Europa, e não isolado.

Quanto ao facto de o documento estar muito próximo do texto da diretiva, a governante reconheceu que procurou que "fosse o mais fiel possível ao texto das diretivas, porque é o que todos [os Estados membros] estão a tentar fazer".

"As diretivas são muito importantes, sobretudo a segunda [do mercado único digital], pela proteção e remuneração de autores, é importante pela criação de direito conexo para diretores de imprensa, pelo principio que revela da neutralidade das plataformas e o que significa do ponto de vista de funcionamento do mercado", disse.

A ministra concordou ainda que "é importante que haja um processo de consulta pública, e que seja possível aperfeiçoar e fazer o melhor possível o processo final que melhor responda às necessidades do setor da cultura em Portugal e que melhor responda à necessidade de proteger os direitos de autor".