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Marcelo reencontrou antigo sem-abrigo na sua nova casa no Porto

Presidente diz que pandemia "piorou brutalmente" o panorama dos sem-abrigo em Portugal

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Foto Getty Images

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lanchou hoje na casa de Manuel Fernandes, no Porto, antigo sem-abrigo cuja visita presidencial há um ano tornou o seu caso mediático e permitiu encontrar uma solução.

Mal saiu do carro em que se deslocou até à zona da Granja, na freguesia da Campanhã, no Porto, Marcelo Rebelo de Sousa deu de imediato um abraço a Manuel Fernandes, num reencontro há muito esperado por ambos.

Após o caso ter sido tornado público pela comunicação social, o chefe de Estado visitou, em outubro de 2020, Manuel Fernandes, então a viver debaixo de uma ponte no Porto e permitiu ainda criar mais mediatismo sobre a situação.

Desde dezembro de 2020 que o antigo sem-abrigo, de 64 anos, se encontra na sua nova casa e a promessa de Marcelo Rebelo de Sousa, em visitar o amigo, foi hoje cumprida.

A visita começou pela horta agora a cargo de Manuel Fernandes. Entre as couves, dióspiros e hortelã, a conversa só parou no caldo-verde e de imediato Manuel preparou um saco para o amigo Marcelo.

"Não ponha tanto que isso já dá para três jantares", alertou o Presidente da República.

Mas se o jantar já estava tratado, era hora do lanche e uma das vizinhas de Manuel Fernandes tratou de ir buscar uma malga da sua marmelada caseira e umas tostas e o reencontro prosseguiu dentro da habitação.

O problema dos sem-abrigo nunca deixou de ser tema de conversa e Marcelo Rebelo de Sousa, que admitiu ser impossível atingir a meta de acabar com essa realidade até 2023, confessou que chegou ao Porto no domingo à noite e, em passeio pela cidade, se apercebeu de um maior número de pessoas sem casa a viver na rua e de associações em auxilio a estes.

O caso de Manuel Fernandes tornou-se diferente, de tal forma que faz o próprio considerar ter sido "um milagre".

"Estou a fazer um ano nesta casa e estou muito contente", referiu, recordando também a visita presidencial na sua 'casa' debaixo de uma ponte no Porto.

"Fez a primeira visita quando eu morava numa cabana debaixo da ponte. Eu vi aquela gente toda à noite e até pensava que ia ser assaltado ou coisa assim. E quando o senhor Presidente apareceu, eu não o reconheci, porque estava de máscara. Entretanto, estou a fazer a minha vida aos bocadinhos, aqui neste cantinho, com ajuda de toda a gente do bairro", acrescentou.

Entre os agradecimentos, Manuel Fernandes não esquece a comunicação social por tornar o seu caso conhecido, mas também a sua "muleta de luxo", José António Pinto, assistente social que tem sido responsável pelo caso.

José António Pinto explicou que este é um exemplo de um "caso de sucesso" que pode inspirar outros técnicos e que dá ânimo porque "todos merecem oportunidades".

Sobre Manuel Fernandes, o assistente social contou que, após encontrado o espaço, este precisava de obras e que com o auxílio da empresa Mota Engil foi possível recuperar a habitação.

E acrescentou que este teve até a possibilidade de escolher alguns pormenores, inclusive a cor da casa, azul, porque é adepto do FC Porto.

"Criámos um acompanhamento e monitorização permanente porque, por vezes, este tipo de casos desistem. Em determinada altura, ele ficou aflito porque passou a ter de pagar água e eletricidade e recebe apenas 180 euros de RSI. E por agora não tem de pagar a renda, que é simbólica, no valor de 50 euros", acrescentou José António Pinto, frisando ainda que está a frequentar um curso de formação e que "é daqueles que não falta".

Também Marcelo Rebelo de Sousa salientou que o problema dos sem-abrigo não se resolve apenas ao encontrar casas e que "é necessário ir mais além".

"É como na pobreza, uma coisa é resolver o problema da privação, outra coisa é dar autonomia e autossuficiência às pessoas. Isso significa mudar de vida e a sociedade tem de perceber que é importante. Na pobreza em geral e nos sem abrigo em particular (...) não basta um apoio num momento, pois é preciso criar estruturas para um apoio continuado", alertou.

Emocionado durante as declarações aos jornalistas, Manuel Fernandes despediu-se do amigo Presidente da República com mais uma promessa estabelecida entre ambos, de que o próximo reencontro volta a ser na sua casa mas desta vez com uma refeição: bacalhau na brasa.

Pandemia "piorou brutalmente" o panorama dos sem-abrigo em Portugal 

O Presidente da República alertou hoje que a pandemia de covid-19 "piorou brutalmente" o panorama dos sem-abrigo em Portugal, apesar da recuperação já registada, e salientou o papel que a comunicação social desempenha para alertar e dar esperança.

"O esforço [de retirar os sem-abrigo das ruas] que eu até tinha apontado para 2023, a crise da pandemia veio estragar as contas, porque piorou brutalmente o panorama. O que havia antes piorou muitíssimo nestes dois anos e [apesar da] recuperação, que já houve, ainda não estamos nos números anteriores à pandemia, ainda estamos acima", frisou Marcelo Rebelo de Sousa durante a visita à casa de Manuel Fernandes.

O chefe de Estado lembrou que há o compromisso de várias autarquias, sobretudo as maiores, de aumentarem a construção de casas, mas apontou também que o problema não se esgota em ter um teto.

"Depois há [problemas de] saúde, em muitos casos, Depois há problemas de emprego. Felizmente não é o caso de Manuel Fernandes, mas há outros casos em que existem problemas de dependências com o álcool ou droga. Isto implica muitos esforços conjuntos, de muitas instituições", analisou.

Com a meta de retirar os sem-abrigo das ruas até 2023 fora de hipótese, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que uma nova data está a ser discutida na nova estratégia.

"Pensa-se que pode haver um atraso de uns três ou quatro anos, o que é um atraso muito grande, sobretudo se pensarmos que a maioria não é jovem", atirou.

Apesar da pandemia ter resultado em desemprego para trabalhadores precários que ficaram sem casa, a grande maioria dos sem-abrigo já pessoas já com alguma idade, sobretudo entre os 60 e 70 anos, acrescentou.

Sobre o papel da Segurança Social no caso dos sem-abrigo, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que essa é "uma preocupação" e que esta instituição "tem uma responsabilidade grande de estar no terreno, em contacto e em informação".

"Há que dizer que melhorou durante a parte pior da pandemia, porque houve situações extremas de criar centros de acolhimento e ter centros de acolhimento como acontece às vezes em situações extremas de temperatura à noite. E aí houve um esforço até das próprias Forças Armadas. Agora no dia-a-dia é preciso primeiro dar resposta a problemas básicos da vida das pessoas e depois pensar em fazê-las sair dali", concluiu.