Análise

“Parasitismo” de quem?

Miguel Albuquerque entende que existe em Portugal um problema de “parasitismo à custa dos contribuintes”, que carece de resolução urgente e que, na sua óptica, passa por mudar a lei de modo a que, quem está desempregado não recuse ofertas de postos de trabalho, pois se o fizer deixa de receber o subsídio de desemprego.

Miguel Albuquerque não está devidamente documentado pois até há incentivos à aceitação de ofertas de emprego e na prática ninguém recusa um posto de trabalho que cumpra com as regras estipuladas. O problema é outro e quem trabalha de forma séria e que, de modo geral, não está no desemprego por opção, quer que haja ordenados justos e adaptados ao contexto em que vivemos, estabilidade com dignidade, progressões nas carreiras, recompensa pelos méritos, prémios de produtividade e até o direito a não ser incomodado quando em descanso profissional. E quem gera emprego também quer mudanças, mais benefícios fiscais, incentivos à contratação, compensações acrescidas pelos postos de trabalho inovadores ou verdes, e menos contribuições sociais por cada trabalhador no quadro.

Não é a primeira vez que a falta de recursos para dar resposta a solicitações feitas por potenciais empregadores é tema de intervenção política parcial e perigosa. Deixar os mais frágeis expostos à arbitrariedade e obrigar quem não se verga a aceitar migalhas que sobram da mesa farta é coisa de outro regime.

Até porque a realidade onde se mistura a fuga ao fisco, o assistencialismo eleitoral, o desperdício de apoios e as formas de dependência que geram comodismo está repleta de casos de vida distintos. Exemplos não falta.

Alguns conhecem o José T. Despediu-se da unidade hoteleira onde tinha importante cargo de chefia. Alegou que precisava de tempo para a família, farto de ser escravo. Inscreveu-se no desemprego, onde recebe o seu, de valor quase idêntico ao que auferia de sol a sol no ‘5 estrelas’, e ainda tem tempo para quase tudo. Feitas as contas aos carunchos pagos por fora, a que junta os euros garantidos pelas bolsas de educação do Governo e da Câmara e o cabaz da instituição onde tem amigos, ganha mais sem tantos custos e suor.

Há quem conheça o Emanuel J. Foi despedido na sequência de um azar sem culpa. Como é talentoso na área tecnológica, não tem mãos a medir. São muitos os que lhe pedem favores. Junta ao subsídio as dádivas que lhe dão por uma questão de justiça. Poupa bem mais do que no tempo do bom ordenado sempre certinho. Gastava 20 euros por dia para almoçar, café e tabaco e uns 100 por mês em gasolina e parque de estacionamento.

Enquanto isto, sei que a Sofia B. não manda o patrão passear porque já não vai para nova. Após trinta anos passados numa das ‘big five’ madeirenses foi ‘promovida’. Tem agora mais responsabilidades e chatices, mas ganha praticamente o mesmo que quando entrou. Arrasta-se sem motivação nem esperança até que chegue a reforma miserável.

Conheço também a Micaela M. Queria estagiar no jornalismo ao abrigo de um programa de apoio ao emprego jovem, para começar a ganhar o seu, fazer o que gosta e alicerçar uma carreira. Azar dos azares. Tem um curso que não lhe permite testar aptidões práticas alegadamente porque na redacção que escolheu, como em todas deste País, não há ninguém especializado no curso em que é licenciada que possa ser seu orientador.

Nuns casos, trabalhar não compensa. Noutros, é por decreto ou despacho apenas um lindo sonho adiado que será promovido em breve a pesadelo.