O bom, o mau e os acorrentados
É que a liberdade de expressão está ao serviço da democracia, não está refém do Ministério Público
Na noite eleitoral que Costa perdeu e em que Rio apenas ganhou tempo, Medina foi o inesperado derrotado. Perdeu 25 mil votos e um terceiro mandato que parecia inevitável. Depois do debacle eleitoral, viria a extinção política. Medina anunciou que renunciará ao cargo para o qual foi eleito. Como grande estadista, de que sempre se disfarçou, renunciou pelos lisboetas, pelos que votaram nele e pelos que votaram em Moedas. É uma renúncia abnegada. Fica a suspeita que, para Medina, há cargos indignos e que os votos só merecem respeito na vitória. Fica a sensação que esteve na política por ele. Por isso, merecem reconhecimento todos os candidatos a presidente que, não sendo eleitos, assumiram a missão que os eleitores lhes confiaram. Seja em que município ou por que partido for, todos têm a humildade que faltou a Medina.
O bom: João Bosco
Se houvesse um ranking dos cargos políticos mais ingratos, o mandato numa assembleia municipal estaria perto do topo de tão infame lista. Não se trata, como é óbvio, da menoridade do papel de um deputado municipal. Pelo contrário. É na assembleia municipal que se aprovam orçamentos, planos de ordenamento, financiamentos e outros documentos essenciais à governação de uma cidade. O problema está nas condições em que o mandato de deputado é exercido. João Bosco, Presidente da Assembleia Municipal de Machico, no seu discurso de tomada de posse, chamou à atenção para a bizarria autárquica instalada. A Assembleia Municipal é responsável pela fiscalização da Câmara, mas depende dela financeiramente. A Assembleia Municipal é o órgão mais representativo da cidade, mas é, repetidamente, ignorada pela comunicação social. E quando se lhe encontra tempo de antena, é para um monólogo do Presidente da Câmara, promovido – por milagre autárquico - a figura central de uma Assembleia que não é sua. Se isso não bastasse, junte-lhe a responsabilização pessoal - até financeira - dos deputados municipais pela aprovação de documentos camarários para os quais não contribuíram e que estão legalmente impedidos de alterar. O alerta que João Bosco fez, com o distanciamento que se exige a um Presidente de Assembleia é, por isso, de pertinência gritante. Não é a primeira vez que o faz, infelizmente com pouco eco e ainda menos seguidores. Mas tê-lo feito perante um executivo maioritário, do seu próprio partido, é um momento digno de registo.
O mau: Ministério Público
Há algo de solene na missão de um jornalista. Talvez por isso nos cause tamanha indignação, a notícia de que o jornalismo não é feito em liberdade. Habituámo-nos a ouvi-lo de países com pouca tradição democrática, muitos deles governados de forma autoritária, mais ou menos assumida. É por isso que a notícia de que o Ministério Público, em Portugal, mandou vigiar dois jornalistas, acedeu-lhes às contas bancárias e confiscou-lhes os computadores, nos deveria chocar a todos. Não porque os jornalistas estejam acima da lei, mas porque foram vigiados no exercício, e por causa, da sua profissão – a de informar. O crime de que são acusados – violação do segredo de justiça – teria ocorrido pela revelação de que se estariam a realizar buscas relacionadas com o processo “e-toupeira”. Não imagino se terão praticado o crime pelo qual estão acusados, mas é pública a forma como a investigação foi conduzida. Jornalistas seguidos e fotografados pela polícia. Contas bancárias passadas a pente fino. Caixas de e-mails, computadores e telemóveis apreendidos. Pormenores dignos de um romance distópico. No meio da excentricidade inquisitorial do Ministério Público, há um facto que arrepia. Não há qualquer registo telefónico de que os jornalistas acusados tenham recebido informação secreta sobre os processos. E, ainda assim, montou-se um circo acusatório a que, infelizmente, quem anda pelos tribunais está cada vez mais acostumado. Tudo sem se provar que a suposta violação do segredo dificultou a investigação ou colocou em causa a presunção de inocência dos arguidos. E isso não é um pormenor. É que a liberdade de expressão está ao serviço da democracia, não está refém do Ministério Público.
Os acorrentados: António, Jerónimo e Catarina
Há uns anos, num momento de duvidosa qualidade televisiva, a SIC transmitiu o programa “Acorrentados”. As regras eram simples. Cinco pessoas acorrentavam-se e sujeitavam-se a ir juntas para todo o lado. Quatro eram do mesmo sexo e a do sexo oposto eliminaria cada um deles, até restar o parceiro ideal. Sete orçamentos depois da primeira geringonça, a trama acorrentada que cativou audiências na SIC, conhece uma estranha repetição na negociação orçamental. Ainda antes de se acorrentar à esquerda, Costa eliminou os candidatos ao centro. Avisou que a necessidade do voto do PSD para a aprovação do orçamento significaria a queda do Governo. Concluído o casting orçamental, o PS acorrentou-se ao Bloco, ao Partido Comunista, ao PAN e ao Livre para um reality show de 4 anos. Então, ano após ano, os acorrentados apresentaram ao País uma, bem ensaiada, coreografia negocial. Esticavam as correntes, prometiam votos contra, acenavam com terríveis crises políticas, tudo com final feliz garantido. Até que o Livre esfumou-se, o Bloco desacorrentou-se e o PAN não chega para o arranjo orçamental. Restam os comunistas. E enquanto a política económica portuguesa se decide num esquizofrénico leilão de despesa à esquerda, o PCP terá de decidir se viabiliza o orçamento, e arrisca a irrelevância política, ou se o reprova, e paga o preço de uma crise de governação.