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Comandante de navio italiano condenado por devolver à Líbia migrantes salvos no mar

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FOTO EPA/FRANCESCO RUTA

Um tribunal de Nápoles condenou hoje o comandante de um navio comercial italiano de acusações de abandono por ter devolvido à Líbia 101 migrantes resgatados no mar em 2018, num veredito elogiado por organizações de direitos humanos.

Mas o tribunal absolveu o comandante, Giuseppe Sotgiu, da acusação mais grave -- abuso de poder -- e sentenciou-o a um ano de prisão, de acordo com o jornal Avvenire, da conferência episcopal italiana.

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a União Europeia não consideram a Líbia um porto seguro, o que torna o retorno forçado de refugiados ao país, especialmente de menores não-acompanhados, uma possível violação dos seus direitos à proteção e à busca de asilo.

O veredito, emitido pela juíza napolitana Maria Luisa Miranda, foi o primeiro do género em Itália e seguiu-se a um veredito de 2012 contra o país emitido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), depois de navios militares italianos terem devolvido migrantes a Tripoli em 2009.

O caso apresentado no tribunal de Nápoles dizia respeito ao salvamento, a 30 de julho de 2018, de 101 migrantes pelo "Asso Ventotto", um navio italiano de abastecimento de plataformas de petróleo que trabalhava para a companhia Mellitah Oil and Gas, uma parceria da italiana ENI com a líbia National Oil Corp., na plataforma petrolífera Sabratha, a norte de Tripoli.

Na altura, o operador do navio, a Augusta Offshore, com sede em Nápoles, disse que o "Asso Ventotto" recebeu um apelo da guarda-costeira líbia para socorrer uma embarcação pneumática transportando migrantes a cerca de 2,4 quilómetros da plataforma.

Depois de serem resgatados do mar, segundo a Augusta Offshore, os migrantes não protestaram quando foram transferidos para uma embarcação da guarda-costeira líbia e levados de volta para Tripoli, o porto mais próximo.

Mas o ministério público italiano sustentou que as instruções para transportar os migrantes de volta para Tripoli vieram da plataforma petrolífera, que o comandante não contactou nem Tripoli, nem o departamento da guarda-costeira em Roma até depois de ter começado a dirigir-se para a capital líbia e que o próprio "Asso Ventotto" atracou em Tripoli depois de desembarcar os migrantes para uma embarcação líbia que os levou para terra, de acordo com um documento do tribunal que resume o caso da acusação.

O ministério público indicou que a tripulação - à qual se juntou, a bordo do "Asso Ventotto", um responsável líbio da plataforma petrolífera - nunca identificou os migrantes ou indagou sobre o seu estado (cinco eram mulheres grávidas) ou se queriam pedir asilo.

Giuseppe Sotgiu foi absolvido da acusação de abuso de poder, mas foi condenado por outras duas acusações relacionadas com abandono de menores e de pessoas vulneráveis, segundo o jornal Avvenire e o pedido de condenação do ministério público.

Um outro arguido foi absolvido de todas as acusações.

Em 2018, a Itália tinha um Governo anti-imigração de linha dura, que tinha como vice-primeiro-ministro e ministro do Interior Matteo Salvini, líder da Liga, de extrema-direita.

A condenação, se mantida em recurso, poderá ter amplas consequências políticas para a Itália e a União Europeia, uma vez que os grupos de ajuda humanitária há muito denunciam o seu continuado apoio financeiro à guarda-costeira líbia para patrulhar as suas fronteiras e levar novamente para terra migrantes que tentavam dirigir-se para a Europa.

Devido à sensibilidade política do caso, o ministério público escusou-se a emitir qualquer comentário, e chamadas e mensagens de correio eletrónico endereçadas pela agência noticiosa norte-americana Associated Press (AP) à Augusta Offshore não obtiveram até agora resposta.

O porta-voz do departamento italiano da Amnistia Internacional (AI), Riccardo Noury, declarou que a sentença foi importante, porque determinou, pela primeira vez em Itália, que um navio comercial foi "cúmplice de um crime internacional" ao enviar migrantes de volta para a Líbia.

Embora observando que o veredito será certamente alvo de recurso, o porta-voz da AI disse que este pode criar um precedente e já transmitiu a mensagem de que "se outros navios comerciais ou civis fizerem o mesmo, poderão ser julgados e condenados".