Lideranças da Fatah e do Hamas já não representam palestinianos
A académica e ativista palestiniana Noura Erakat considera que as novas gerações palestinianas são a "liderança orgânica" da resistência a Israel e substituem a Fatah e o Hamas, que, defendeu em entrevista à Lusa, já não representam os palestinianos.
"A liderança oficial da Fatah [a maior fação da Organização de Libertação da Palestina, OLP] e do Hamas [o movimento islamita no poder na Faixa de Gaza] já não representam os palestinianos, não existe representação democrática, são dirigidos por membros no exterior, não são eleitos por votação, a OLP está defunta", indicou a ativista, que promove esta tarde uma conferência intitulada "Justiça Parcial" nos estúdios Victor Cordón, em Lisboa.
O tema da intervenção da norte-americana de origem palestiniana, 41 anos, professora universitária e cofundadora do jornal digital Jadaliyya, entre outras funções, baseia-se no seu mais recente livro "Justice for Some: Law and the Question of Palestine" (2019), que fornece uma nova perspetiva sobre a luta do povo palestiniano pela liberdade.
A emergência desta nova geração mais combativa manifestou-se no decurso dos protestos que alastraram pelos territórios palestinianos ocupados, na Faixa de Gaza, e em Israel, em maio passado.
"O que se assistiu na recente Intifada foi o surgimento de uma nova geração de líderes, sem financiamentos, sem organização, e apesar disso coordenaram a luta por todo o mundo, na diáspora, em Gaza, Jerusalém, Cisjordânia, entre a população palestiniana que vive em Israel, com uma única mensagem expressa no manifesto "Dignidade e Esperança", somos um povo, não podemos ser divididos, o sionismo é o problema, e organizaram a primeira greve geral em 18 de maio de 2021, a primeira desde a greve geral de 1933", indicou.
No entanto, reconhece que o movimento carece de apoio internacional, para além de ser considerado uma ameaça para a atual liderança da Autoridade Palestiniana (AP) e para o seu presidente Mahmoud Abbas.
"São considerados uma ameaça. Foi por isso que vimos a liderança palestiniana assassinar de facto Nizar Banat [em junho passado] e irem para a rua para mostrar à população que têm as armas, que têm poder, e que podem coagi-los. A sua legitimidade é zero, mas têm poder policial", explicou.
Noura Erakat, com formação jurídica e também coordenadora do BADIL ("Resource Center for Palestinian Residency and Refugee Rights") denotou nesta atitude uma demonstração de fraqueza, apesar de considerar que o silêncio quase total da "comunidade internacional" face aos recentes acontecimentos também se explica pela sua indisponibilidade em apoiar um novo líder palestiniano alternativo à AP.
"A comunidade internacional não apoia um novo líder palestiniano, tem medo. Porque os novos jovens líderes dizem à comunidade internacional que o sionismo não funciona, é semelhante ao 'apartheid'. Não nos podem forçar a viver no 'apartheid'". Mas existe uma liderança, muito capaz, vimos o que podem fazer. Mas a liderança oficial receia-os, forçou-os a recuar, e a comunidade internacional também não os apoia", sustentou.
A decisão da administração do ex-Presidente dos EUA, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital "indivisível" do Estado de Israel e legitimar a ocupação dos colonatos constituem a comprovação da ineficácia do atual líder da AP, no poder há 16 anos e que tem vindo a adiar sistematicamente as eleições gerais nos territórios palestinianos.
"Mahmud Abbas rendeu-se. Deu-lhes tudo, tudo. Controla policialmente os palestinianos, negoceia com Israel, não quer recorrer à lei internacional, proíbe o uso da resistência armada. E que fez? Colonatos, e impedir que Jerusalém se tornasse na capital do Estado palestiniano. Mas mesmo quem se rendeu não obteve nada. É um problema palestiniano e israelita e temos de ser mais críticos face a Israel", sustentou.
No entanto, a ativista palestiniana assinala que os Estados Unidos há muito que "estavam no caminho para tomar essa decisão", que implicou a transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém.
"Trump fê-lo por dois motivos. Fê-lo mais depressa, e de forma mais honesta. Mas os EUA têm feito desde sempre a mesma coisa em Jerusalém. Permitiram a expansão de colonatos, a expulsão e ocupação de casas, financiam Israel em 3,8 mil milhões dólares por ano... Barack Obama promoveu o primeiro veto no Conselho de Segurança durante a sua presidência para bloquear uma resolução que condenava os colonatos israelitas", recordou.
Uma política que não tem registado assinaláveis diferenças, seja com Trump ou com "um Presidente mais liberal como Obama", enfatizou.
"Durante cinco décadas, desde a administração de Lyndon B. Johnson, os EUA adotam a mesma política. Por um lado, assegurar que Israel é mais poderoso que qualquer país do Médio Oriente, juntos ou sós, para que possam derrotá-los. Por outro lado, assegurar que nenhuma lei internacional intervenha na governação de Israel porque os EUA querem assegurar que decorra uma negociação política, e não qualquer outra resolução do conflito. Apenas uma negociação política bilateral".
Nesta perspetiva, e devido ao seu poder militar e à estratégia da "negociação política", os EUA "protegem Israel a todos os níveis da diplomacia, fornecem um inequívoco apoio militar e financeiro, e produziram o atual desfecho. Trump foi apenas mais óbvio, e mais rápido".