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Sobre Redes Sociais e Hipocrisia

Por vezes, não há nada como a sabedoria dos mais velhos (...) diziam que não havia nada como o convívio presencial

Nas últimas duas semanas, parece que o mundo se apercebeu que o Facebook afinal não é a mais pura e positiva companhia da existência humana. No centro desta nova revelação, está Frances Haugen, uma ex-empregada da empresa que denunciou a forma como o algoritmo da rede social funcionava, mais especificamente a forma como o site priorizava o conteúdo politicamente polarizante de forma a maximizar o lucro através da manipulação das emoções humanas. Assim, como do nada, o mundo declarou guerra a Mark Zuckerberg.

Apesar de todo este movimento de crítica ser amplamente legitimado, é lamentável que só aconteça em relação a esta rede social porque, na verdade, quando acedemos à rede Twitter também conseguimos ver um lado bastante negro da humanidade. E quem diz o Twitter diz qualquer outra rede social. Mas por que razão é que isto acontece? Porque o problema não está nas redes sociais, mas em nós, utilizadores.

A situação é, no mínimo, curiosa de se observar porque só demonstra como, de facto, procuramos sempre um bode expiatório para culpar em vez de nos confrontarmos com a verdadeira raiz do problema: o facto de as pessoas não se saberem comportar minimamente quando estão protegidas, através da distância e da anonimidade fornecidas por todo o meio online, de consequências reais. E o que é o Facebook nisto tudo? Simplesmente uma empresa que decidiu maximizar os seus lucros à custa dos descontrolos dos outros. Porque não foi o Facebook que decidiu publicar os ditos conteúdos polarizantes nem foi o Facebook que decidiu iniciar “batalhas campais” nas variadas secções de comentários. Foram os utilizadores que, tal como o Facebook, creem que podem agir no espaço digital sem qualquer tipo de consequências associadas aos seus comportamentos. Mesmo assim, agora a opinião pública concorda com que o Facebook seja “destruído” mas, claro está, deseja-o vivamente sem, contudo, reconhecer o seu próprio a populismo nas redes.

É um facto que as redes sociais são as que mais têm contribuído para a fracturação da sociedade contemporânea, mas também é verdade que o têm sido simplesmente porque forneceram à espécie humana a ferramenta ideal para que esta se revelasse nas suas verdadeiras cores sem medos de censura pública.

Numa sociedade moderada, a ação de Frances Haugen seria considerada verdadeiramente heroica na lógica do ideal de herói que se deixa engolir pelo monstro a fim de o destruir por dentro. Mas numa sociedade como a nossa, que vê o adversário de opinião como um verdadeiro inimigo, é simplesmente um esforço que acaba afogado num mar de hipocrisia humana que não nutre qualquer tipo de compaixão pelo seu semelhante.

Por vezes, não há nada como a sabedoria dos mais velhos que, antes de também se terem rendido à onda modernizadora da era digital, diziam que não havia nada como o convívio presencial. Tinham razão, efetivamente. Agora é tarde de mais para voltar atrás porque a interação impessoal proporcionada pelas redes sociais se tornou essencial para o funcionamento do mundo atual. Contudo, e apesar de se ter tornado num mal necessário, não finjamos que não há forma de melhorá-las, seja através das denúncias de práticas imorais no seu funcionamento, seja através do escrutínio e penalização dos comportamentos em meio online.