Mary Phelps, data desconhecida (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mary_Phelps.webp - Wikimedia CC-BY-SA 4.0)
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As três mulheres Phelps - Largo do Phelps e rua do Carmo

Três contributos importantes para a Madeira do século XIX

Os primeiros Phelps a virem para a Madeira foram o casal William (1749-1831) e Elisabeth Phelps (1957-1829), dando origem a uma família numerosa e próspera, sobretudo nos negócios do vinho Madeira. Dos sete filhos que tiveram, mandaram estudar para Londres os rapazes, como era habitual entre os britânicos residentes na Madeira. Um desses rapazes, Joseph, veio a conhecer, quando estudava, a mulher com quem haveria de casar, também ela Elisabeth, nascida Dickinson. Joseph e Elizabeth Phelps contraíram matrimónio em agosto de 1819, instalando-se na Madeira, na casa da família, no atual n.º 6 da rua do Carmo.

Enquanto Joseph se embrenhou de imediato nos negócios da família, Elisabeth foi tendo filhos, num total de onze, passando os dias ocupada com a educação das crianças, a gestão da casa e do pequeno hotel que ali tinham instalado, sempre bem assessorada por um exército de criados, ao mesmo tempo que mantinha uma intensa vida social, fazendo e recebendo visitas, dinamizando serões e participando em diversas atividades de beneficência do Funchal, como o Asilo de Mendicidade e a Misericórdia do Funchal.

A família possuía uma propriedade no Monte, a Quinta do Prazer - atual Monte Palace - usada sobretudo para veraneio, na qual promoviam convívios e diversões com algumas das mais importantes famílias madeirenses da época, como os Blandy, os Stoddart, os Gordon e os Oliveiras.

 Apesar das vidas atarefadas, o casal Phelps comprometera-se profundamente com o desenvolvimento e melhoramento das condições de vida dos madeirenses, em particular os mais pobres, levando a cabo, para além das já referidas atividades benemerentes, uma obra de grande relevo no campo da educação: a escola Lancastriana para rapazes e raparigas, dirigidas respetivamente por Joseph e Elizabeth. A escola Lancasteriana aplicava o método criado por Joseph Lancaster em Inglaterra, consistindo, de forma simplificada, em ensinar um conjunto de alunos, os quais depois se dedicavam a educar os mais jovens, e assim sucessivamente, vindo a permitir o acesso a um nível de conhecimentos até então impensável, sobretudo para as raparigas no Funchal.

A escola feminina, cujos estatutos chegaram aos nossos dias, implicava o cumprimento de determinadas regras: as meninas tinham de vir limpas, com o cabelo cortado e ser pontuais. O período de estudo decorria entre as 9 e as 12 horas da manhã, e das 14h às 17h da tarde, com um currículo composto por atividades que para além dos inevitáveis ler, escrever e contar, englobando também as artes da costura e do bordado. Para financiar a instituição obtiveram contributos de outras figuras importantes da comunidade estrangeira residente ou estante no Funchal, como a rainha Adelaide, os duques de Saxe-Weimar e o Duque de Leuchtenberg, o qual ofereceu uma biblioteca de 100 volumes. Elisabeth Phelps manteve-se à frente da escola por mais de 40 anos, sendo depois substituída por uma comissão que incluia o bispo e a condessa do Farrobo. Fora da gestão de Elizabeth Phelps, a escola acabaria, no entanto, por encerrar, devido ao agravamento dos problemas financeiros.

A filha mais velha de Elisabeth Phelps, também ela Elisabeth, a quem chamavam Bella, provavelmente para a distinguir da mãe, viria a ser de grande relevância para a Madeira, na medida em que se interessou pelo bordado que então se fazia na Madeira, decidindo abrir uma escola com o objetivo de cativar as jovens para a sua prática. 

Pela correspondência familiar, sabemos que Bella mandou para Londres amostras de bordado, ao cuidado de uma irmã que ali residia e tinha contactos com a Kensington School of Needlework, de quem possivelmente recebeu alguma acessoria. O resultado desta iniciativa foi depois apresentado na exposição de produtos madeirenses realizada em 1850 no Palácio de São Lourenço, sendo os bordados tão bem recebidos que Bella resolveu mostrá-los na Grande Exposição Mundial de Londres de 1851, marcando o momento a partir do qual o bordado madeirense viria a alcançar os mercados estrangeiros, tornando-se uma das imagens de marca da ilha.

 A irmã de Bella, Mary, logo depois em idade, legou também ela à Madeira um testemunho raro e precioso que permite conhecer o quotidiano de uma família inglesa no Funchal, dos hábitos da comunidade britânica do tempo, do contraste que faziam com as práticas da sociedade local, bem como a aspetos dessa vida social, como os  bailes, concertos, excursões, passeios, festas e corridas.

O documento que contém toda esta informação é o Diário de Mary Phelps, iniciado em 1839 e estendendo-se até 1843, dando acesso não só a toda a informação já referida, como às atividades quotidianas da autora que, aos 17 anos, idade com que fez o primeiro registo, se via encarregada de tomar conta dos irmãos mais novos, nas ausências da mãe para Londres, servindo-lhes inclusivamente de professora de música. Pelo mesmo diário se observa igualmente que a educação das crianças Phelps incluía, ainda, o francês e o alemão, sendo o pai o responsável pela aprendizagem do português.

Mary refere-se também à beleza natural da Madeira, que a deslumbra, não se eximindo, no entanto, de criticar algumas ruas do Funchal, mal calcetadas e sujas, ou a falta de variedade de produtos no comércio local, o que, registe-se, abre uma janela inesperada e colorida para a vivência inglesa na Madeira e para a forma como se relacionava com a sociedade local, da qual também descreve os hábitos, o que lhe confere uma importância singular, na medida em que é um testemunho único para a análise da Madeira do seu tempo.

Muito agradeço à Dra Cláudia Faria, que se tem dedicado ao estudo desta família, e de cujo conhecimento me subsidiei. Cristina Trindade
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