Saldos e rebaixas
A minha mãe pedia descontos em tudo o que comprava: pratos, chávenas, nos panos de cozinha e nas toalhas turcas, nos lenços de mão e nas meias para o meu pai ou na roupa interior.
A história era sempre a mesma. Uma semana depois dos meus anos, com Janeiro quase no fim, a minha mãe levava-me às rebaixas das lojas da cidade onde a roupa e os sapatos pareciam os salvados de um naufrágio. Os letreiros prometiam, mas bastava olhar para as montras para perceber que aquela tralha só interessava a quem tinha planos para o Carnaval. A única pessoa, além das que se iam disfarçar, que corria as sapatarias da Rua dos Tanoeiros e as lojas de roupa na esperança de encontrar uma blusa ou uma saia para vestir era a minha mãe.
Para ela ou, muito pior, para mim que, daquelas tardes, bastava-me a vergonha de carregar os sacos pesados e cheios para a casa de bordados e de descer as escadas de madeira da fábrica, ali na Rua de Santa Maria, com carga igual e, ainda assim, parar em mais de 10 lojas, juntando mais sacos e volumes embrulhados em papel almaço, que eram sempre muitos e não se podiam perder. Lembro-me de ficar à porta, com vários sacos e embrulhos pousados aos pés, enquanto a minha mãe discutia o preço com os empregados. “Então não faz uma diferença?”
A minha mãe pedia descontos em tudo o que comprava: pratos, chávenas, nos panos de cozinha e nas toalhas turcas, nos lenços de mão e nas meias para o meu pai ou na roupa interior. E os empregados faziam as contas nas folhas de papel em que embrulhavam depois as compras. No fim, lá tiravam 20 ou 50 escudos, às vezes mais, que ela não se dava por vencida depressa e tinha cara para dizer que, se calhar, ia dar uma volta a ver se encontrava mais em conta. Quando virava costas, eu dava uns pulinhos para acompanhar o passo e tentava segurar os sacos todos, mas nunca escapava de ouvir uma repreensão, que “esta pequena não tem préstimo”.
Eu, de facto, não me sentia muito prestável, nem elegante naquelas tardes das rebaixas, num entra e sai, enquanto a minha mãe virava caixotes à procura do par do sapato que tinha na mão. “Achas bonito?”, o que, na verdade, não passava de uma pergunta retórica. Se encontrasse o par, levava, estava tudo decidido pelo preço e, com isso na cabeça, procurava também para mim. Eu sentia vontade de gritar e fugir, não queria que escolhesse e lembro-me de ter chorado em muitos provadores, derrotada pela insistência e pela roupa estranha, mas o preço ganhava sempre e era com isso que tinha de me ajeitar.
Mas não era fácil. A adolescência não foi meiga comigo, fez-me grande depressa e não me tirou a timidez e, quando, me metia no autocarro a caminho de casa confortava-me a ideia de voltar ao lugar onde, de facto, me sentia feliz: no meu quarto, no quintal e na sombra das laranjeiras, aquele lugar tão desconjuntado como eu. Embora soubesse que, com a minha mãe, as compras não acabavam numa tarde, matutava tanto que, mesmo quando gostava, acabava por trocar. Lembro-me de um vestido que andou abaixo e acima, até reunir o consenso e a aprovação das minhas tias.
E também me lembro de ver os sacos e embrulhos no quarto de engomar, as compras e os bordados, assim misturados naquele caos constante da casa do Laranjal, enquanto a minha mãe tentava tirar proveito de tudo o que conseguia comprar, fossem os sapatos ou vestidos, os pratos ou os copos. Aquelas tardes, na verdade, resumiam a nossa vida como ela era na minha adolescência.