'Maria Floripes' com todos os tripulantes positivos
Armador pede testes rápidos para impedir disseminação da covid-19 nas tripulações. Já antes um barco da ruama tinha sido também afectado
A Maria Floripes tem os oito homens da sua tripulação infectada, os pescadores do espadeiro estão a cumprir quarentena desde ontem numa unidade hoteleira na Praia Formosa, com excepção do mestre, que ficou a bordo para guardar a embarcação. Há também, de acordo com o armador câmara-lobense uma outra tripulação infectada, de um barco da ruama e não tem dúvidas de que mais casos semelhantes vão surgir. Alexandre Rodrigues pede testes rápidos para os homens antes de irem para a faina no mar como forma de travar a propagação do número de infectados E critica as indicações que foram dadas de que poderiam ir a casa tomar banho sem primeiro serem testados, isto depois de ter sido confirmado um caso positivo a bordo. No fim, todos se revelam positivos.
Tudo começou com o caso de um pescador infectado, que logo no segundo dia de viagem no mar começou a demonstrar sintomas. Mas estavam longe de imaginar que o desfecho de duas semanas de faina fosse toda tripulação positiva para covid-19 e ainda a possibilidade das famílias destes homens famílias estarem infectadas nesta cadeia de acontecimentos.
Conta Alexandre Rodrigues que o barco ‘Maria Floripes’ fez-se ao mar há pouco mais de quinze dias para ir às espadas e que logo no início da viagem deram-se conta que um dos elementos não estava bem. “Nós fomos ao mar no dia 12. No dia 14 eu já percebi ele meio esquisito”, contou este armador, um dos dois da embarcação agora parada. “Ele sentia mais era tosse e estava sem valor no corpo”, contou.
Na altura não associaram a covid-19 e o próprio doente dizia ‘acho que deve ser uma pequena gripe’. A tripulação seguiu com a sua faina e na primeira vez que vieram a terra descarregar, no dia 15 no Porto Moniz, Alexandre Rodrigues terá sugerido que ele fosse ao centro de saúde. ‘Eu não vou, vou mandar comprar Benuron e Cortigripe’, terá respondido. Voltaram ao mar no dia seguinte. “Mas ele ia tomando mas parece que aquilo nunca lhe passava. Aí eu já desconfiei”, confessou. Alexandre ficou ainda mais alerta quando o pescador se recusou a terminar o almoço. “Eu só vi ele comer duas colherinhas, aí é que eu percebi”.
Quando vieram a terra fazer nova descarga de peixe mais de dez dias depois do dia 12, avisou nessa altura o resto da tripulação que ele já não voltaria, que tinha que ir ao centro de saúde.
Descarregaram no Funchal na segunda-feira. Ele e outros cinco membros foram para casa. Só dois ficaram a bordo. A pausa foi de apenas algumas horas para ver a família e os outros sete voltaram nessa mesma noite a fazer-se ao mar para nova pescaria. O tripulante doente ligou nessa noite para o armador a dizer que tinha feito o teste e que tinha de ficar em isolamento até ter o resultado. “A gente, como não sabíamos o resultado dele, fomos para o mar”, admitiu Alexandre Rodrigues.
Estavam em alto mar e com os aparelhos já todos dentro do barco depois da pesca quando receberam na terça-feira à tarde a má notícia de que ele estava positivo. “Quando viemos em viagem demos parte à Polícia Marítima que tivemos um tripulante infectado, já sabíamos, e que a gente ia para a terra e gostávamos de fazer o teste por causa das nossas famílias”, contou o armador.
Com um termómetro a bordo, Alexandre diz que viu a temperatura a todos e estava normal, e nenhum apresentava sintomas. Quando chegaram ao cais do Funchal, já lá estava a Polícia Marítima que lhes terá dito que iam ser testados nessa noite. Horas depois passava já das 21 horas, terão dito diferente. De acordo com o relato de Alexandre Rodrigues, dado o elevado número de infectados, só seriam testados na manhã de quarta-feira e que tinham de ficar a bordo.
“Sabe o que a polícia Marítima veio dizer à gente, eram nove e tal da noite? ‘Já ligamos para o delegado de saúde’ - o delegado de saúde não sei quem é, nem quem não é - ‘quem quiser ir a casa tomar um banho’, ouça-me esta, isto não cabe na cabeça de ninguém, às nove e meia da noite, estávamos preocupados com a gente e eles queriam mandar a gente para casa, a Polícia Marítima. ‘Quem quiser ir a casa tomar um banho e voltar manhã de manha para fazer o teste, pode fazer isso’. A Polícia Marítima veio avisar a gente que tinha ligado para o centro de saúde”, contou. “Essa gente não sei de onde está louca?”
Alexandre recordou que não podiam circular na estrada, que eram de Câmara de Lobos e não do Funchal. “O que é que se ia fazer para casa? ‘A gente vai ficar é aqui dentro que eu tenho medo de infectar a minha família porque eu não sei se estou se não estou. Ele estava trabalhando com a gente. Vai-se ficar é cá dentro que a gente quer fazer o teste, à noite, amanhã… não se caminha daqui para a rua sem ser com o teste feito’”, terá decidido. E deram todos positivos.
Os testes foram realizados no cais do Funchal por volta das duas da tarde de quarta-feira, tendo os sete voltado para o ‘Maria Floripes’. “O primeiro a receber a notícia foi eu, também fui o primeiro a fazer o teste. Foi uma menina que falou”, contou o armador. “‘O senhor sabe que deu positivo?’ Eu estou sabendo que a menina está-me a dizer”, terá respondido à chamada. Foi o primeiro de uma série de sete positivos depois do primeiro caso. Os homens têm idades entre os 47 e os 63 anos
Agora estão acomodados dois em cada quarto, sem saber bem até quando têm de permanecer fechados e com alguma ansiedade em relação às famílias com quem contactaram. No caso de Alexandre, na curta visita a casa na segunda-feira esteve com a mulher, a sogra, dois filhos e um neto. Um dos filhos trabalha num hotel, fez o teste rápido a pedido do patrão e deu negativo. Quanto aos restantes, nada sabe. A mulher procurou o centro de saúde para fazer o teste, mas como não tinha sintomas, foi-lhe apenas recomendada a quarentena, contou o armador.
Quanto ao peixe, conta que no dia 15 descarregou pela primeira vez depois da viagem do dia 12. Foram cerca de uma tonelada e meia. No dia 16 voltaram à faina e novamente descarregaram no Porto Moniz. A última descarga foi no Funchal.
Não acredita que as espadas representem um perigo para a saúde pública. “O peixe estava no gelo e a isca também estava no gelo, aquilo é tudo congelado. E os porões ficam isolados, fechadinhos. Quanto a isso, não há problema”. Alexandre Rodrigues conta que tiveram indicações do Delegado de Saúde que não havia problemas e que o veterinário da lota também deu luz verde à comercialização. “O Sr. doutor Pedro [Delgado (veterinário)] esteve mais de uma hora com a gente a comunicar com o Delegado de Saúde. Depois chegou ao pé da gente e disse ‘Vocês que não se preocupem com o peixe, está safo, está como vendido”, relatou.
Alexandre Rodrigues queria que os homens pudessem fazer o teste a cada viagem antes de regressar ao mar para um não infectar os outros. “Não é por causa dos testes que o país vai á falência”, e recorda que a quarentena em hotel sai mais cara ao Estado.
“Aconteceu a um barco de ruama, acontece à gente e vai acontecer a outros”, disse em jeito de alerta.