Leilão do Paquete Funchal hoje em Londres preocupa associações
Quatro associações e grupos europeus representantes de vítimas de amianto manifestaram a sua preocupação com o leilão do navio português Paquete Funchal, que se realiza hoje em Londres, dois anos depois de ter sido comprado por uma empresa britânica.
Em comunicado, as organizações associações de campanha e os grupos europeus, em que se inclui a portuguesa SOS Amianto, temem que o navio, que permanece atracado em Lisboa desde que foi comprado há dois anos pela empresa britânica Signature Living, e possui amianto, seja desmantelado.
"As licitações para o navio de passageiros, que foi comprado em 2018 pelo grupo hoteleiro britânico por 3,9 milhões de euros, deverão começar nos 1,8 milhões de euros. Há rumores de que a embarcação --- que permaneceu atracada em Lisboa desde que foi comprada --- será desmantelada", é referido na nota.
Segundo um ativista que tem acompanhado a situação nos últimos dois anos, citado na nota, existem a bordo "cerca de 100 toneladas de amianto em estado friável, nomeadamente os tipos de fibra crisotilo, amosite e tremolite, que foram identificados por uma auditoria de substâncias perigosas".
Os grupos e associações lembram que a exportação de resíduos perigosos, como o amianto, de Portugal para países em desenvolvimento é proibida pelo Regulamento de Envio de Resíduos da União Europeia (UE). O Paquete Funchal está ainda registado sob a bandeira de Portugal.
"De acordo com o artigo 6.º do Regulamento de Reciclagem de Navios da UE nº 1257/2013, os armadores devem assegurar que os navios com bandeira da UE destinados a serem desmantelados, sejam apenas reciclados em instalações que constam na Lista Europeia", recordam.
No entanto, segundo as associações e os grupos europeus, o novo comprador pode procurar contornar o regulamento, trocando a bandeira portuguesa por uma bandeira não UE.
Carmen Lima, da SOS Amianto, grupo que representa vítimas de amianto em Portugal, diz, citada na nota, que está preocupada com o facto de os incentivos financeiros serem o fator decisivo para a alienação do Paquete Funchal.
"A remoção do amianto e a descontaminação da embarcação devem ocorrer em Portugal, evitando a transferência de contaminantes para outro país, nomeadamente aquele em que os critérios para a remoção do amianto não são tão exigentes, e que podem colocar em risco a saúde dos trabalhadores de desmantelamento de navios e as suas comunidades", diz.
Também Ingvild Jenssen, da NGO Shipbreaking Platform, lembrou que a covid-19 dizimou as indústrias europeias, incluindo as que oferecem atividades de lazer, como cruzeiros e entretenimento ao vivo.
"Dada a falta de procura destes serviços, é provável que o MV Funchal seja comprado para sucata. É altamente possível que um comerciante de sucata, conhecido por comprar em dinheiro, adquira o navio e que o leve para uma praia no Bangladesh, Índia ou Paquistão, contornando as regras de reciclagem de navios da UE e violando a legislação dos resíduos da UE", disse.
Segundo Jenssen, no sul da Ásia, os regulamentos ambientais são escassamente aplicados, e os trabalhadores, incluindo crianças, trabalham diariamente em condições terríveis.
"O facto de o leilão estar a decorrer em Londres não é garantia de que uma oferta de uma empresa anónima 'off-shore' não será aceite", frisou.
O navio foi vendido em hasta pública em 2018 ao grupo hoteleiro britânico Signature Living por 3,91 milhões de euros, após uma disputa renhida com um consórcio luso-francês.
O leilão tinha um valor inicial de 2,3 milhões de euros e foram recebidas quatro ofertas, acabando por ficar na posse dos britânicos da Signature Living que não quiseram dar detalhes sobre as suas intenções para o histórico paquete Funchal.
O Paquete Funchal foi construído pela Empresa Insulana de Navegação e fez a sua viagem inaugural em 1961.
O navio ficou imobilizado em fevereiro de 2015, no cais da Matinha, no Tejo, em Lisboa, na sequência de várias deficiências técnicas que o retiveram em Gotemburgo, na Suécia, por ordem das autoridades marítimas suecas.
O último cruzeiro do navio foi realizado na passagem de ano 2014/2015, com escalas no Funchal e no Porto Santo.
Em 2015, foi proferida a sentença de declaração de insolvência da Pearl Cruises --- Transportes Marítimos Unipessoal, última empresa proprietária do navio, por dívidas.