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Se eu fosse Presidente

Todos devemos lutar para que as consequências da pandemia sejam as menos gravosas

… ou primeiro-ministro, ou ministro, ou presidente do Governo Regional, ou secretário regional, ou responsável pela Saúde Pública, ou se tivesse um cargo em que fosse obrigado a fazer uma declaração de cada vez que alguém me apontasse um microfone, de cada vez que alguém me solicitasse uma solução, opinião, parecer, ordem de serviço; quando me apresentassem um problema de resolução urgente em que não tivesse tempo para elaborar um plano e tomar uma decisão devidamente fundamentada, com respaldo em especialistas, peritos, entendidos na matéria com provas dadas... Que faria eu?

Ponho-me a pensar nisto, às vezes, com principal acuidade desde o início da pandemia COVID-19.

Quarenta e nove anos como profissional de saúde, muitas horas de estudo, experiência laboratorial, conhecimento científico, anos de administração de empresas, associações, grupos de trabalho, investigação científica, consultoria, …, não seriam suficientes para evitar o erro, para obstar a que a realidade me desmentisse minutos, horas ou dias depois.

Continuo a estudar bastante, apesar de já não ter qualquer obrigação profissional para isso; tenho acesso a fontes de certo modo privilegiadas, mas nada disso evitaria que errasse.

A dinâmica da situação pandémica torna precárias ou mesmo erradas, em curtos intervalos de tempo, a maior parte das “certezas” que vão sendo encontradas.

Congratulo-me por não estar exposto a tais contingências. As minhas decisões, opiniões, ideias, só a mim comprometem e são de um simples cidadão sem responsabilidades de maior.

Se eu fosse Presidente, ou primeiro-ministro, ministro da Saúde, director-geral de Saúde, presidente do Governo Regional ou secretário regional da Saúde teria, por dever de ofício, de dar respostas mesmo com o risco de ser desmentido, pelos acontecimentos, pouco depois.

Isto, dando de barato o cuidado que é necessário ter com as afirmações “oficiais”, tantas vezes causadoras de pânico, desestabilizadoras da ordem social ou perturbadoras da economia.

Todas estas circunstâncias devem pesar na mente de quem se vê obrigado a tomar decisões, assumir posições, fazer opções. Só que, na maioria das vezes, o quadro descrito acima não permite ter tempo para fundamentar mais cuidadosamente a atitude a tomar: seja uma ordem de comando, uma opinião formal ou uma decisão política.

Fácil é, posteriormente, julgar e condenar. Ridicularizar e comentar nas plataformas digitais, nas redes sociais, nos cafés, nos jantares de família.

Ateu que sou, todos os dias “agradeço aos deuses” não estar sujeito à pressão de ter de tomar, em cada momento, a posição correcta, a decisão certa, sem poder garantir que os acontecimentos, que a dinâmica normal da vida, não me vão desmentir em seguida ou que o resultado vai estar de acordo com a intenção com que foi tomada a decisão.

A vida é feita de incertezas. Tempos há, como os que actualmente vivemos, em que essas incertezas se agigantam. É bom que aprendamos a viver com elas. É bom que tenhamos o espírito caridoso de aceitar que podemos errar, que toda a gente erra, e que, embora os erros ou omissões de quem tem responsabilidades políticas possam ter repercussões mais vastas e que nos atinjam a todos, têm as mesmas causas do que os nossos.

É sempre útil colocarmo-nos na posição dos outros e reconhecermos que, se estivéssemos nas mesmas circunstâncias, provavelmente não teríamos tomado melhores decisões.

A responsabilidade deve ser repartida. Cada um de nós, cidadãos, deve assumir a sua quota-parte de responsabilidade. Todos devemos lutar para que as consequências da pandemia sejam as menos gravosas. Temos de esquecer o cansaço, a frustração, a dor e contribuir positivamente, fazer a nossa parte.

Depois, se for caso disso, poderemos julgar os actos dos governantes em altura própria.

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