Chegas... Retiras uma farda... umas socas... Vestes e encaminhas-te para a sala onde te vais equipar com uma espécie de fato de astronauta e naquele curto trajecto pensas nos passos que tens de dar para te equipares correctamente... pensas que tens de te proteger bem... sabão nos óculos para não embaciarem mal os tenhas na cara tornando muito complicadas as horas que vais passar com um fato de astronauta.... Vais-te equipando e ouvindo o que os colegas te vão passando dos doentes que vais ter de cuidar... recomendações... informações.... E aproveitas e vais aproveitando para respirar ar não covid... Daí a poucos minutos o ar será diferente... será mais quente, mais pesado... Sais da zona verde... vais passando por linhas marcadas no chão às cores que no início significavam alguma coisa mas que no momento actual já não têm significado porque todo aquele espaço é agora vermelho, é tudo covid... e a tua sala está lá... Zona Verrmelha... Sala de intensivos Covid... Teu coração bate um pouco mais acelarado... entras... Olhas e vês o mesmo cenário... Os que estão no ventilador respiram em circuito fechado, sentes mais segurança... os que estão em alto fluxo com fio2 e litros de O2 lá para cima... esses representam mais perigo porque respiram para o ar ambiente, tossem, falam e libertam para o ar o vírus que os colocou ali... respirar... tão necessário... e respiras e dás por ti a pensar que o ar que respiras está cheio desse vilão maldito que virou o mundo do avesso... o teu último pensamento à entrada é “espero que esta máscara filtre, espero que este fato me proteja, espero não cometer falhas de segurança e me infectar levando para casa e para os meus este maldito”... Levantas a cabeça e vês os teus colegas que inicialmente não reconheces mas que depois de abrirem a boca logo reconheces... eles estão contentes por te ver... Aliviados por chegares... Querem sair... Passam o que têm de passar e deixam-te... Fazem últimas recomendações no sentido de cuidares de ti, de tomares cuidado e lá vão para a segurança, o descanso merecido... Deixam-te com o ar covid e vão para a segurança que tu só vais conhecer algumas horas depois...

Ar covid... São horas com uma máscara e uns óculos que a dada altura parece que se enterram na tua cabeça provocando desconforto e dor que não deves de aliviar com as mãos porque as mãos não devem de ir à cabeça... Custa respirar este ar covid debaixo de um fato que te limita nos movimentos e reduz a visão periférica dificultando aquilo que em circunstâncias normais se faz de forma banal... Tudo é mais complicado... o simples é mais difícil... Respirar ar covid... o ar que precisamos para viver está ali... tem covid mas temos de o respirar para que outros possam continuar a respirar... para que outros possam continuar a viver... Ar Covid...

Sidónio Faria, enfermeiro