A lamparina de Diógenes
Apela-se, portanto, ao espírito crítico, à coerência ao comentar este tipo de eventos
Começou o ano de 2021 e já se percebeu que não será pela mudança do último dígito do ano que os problemas de 2020 deixarão de existir. Coincidindo com o que ocorreu no findo, janeiro já tomou como protagonista os Estados Unidos, desta feita não devido a ataques a generais iranianos, mas sim graças à “manutenção” da democracia americana. Desta vez, a hipocrisia revelou-se naqueles que validam ocorrências de similar violência (os motins em Minneapolis do ano passado e a invasão ilegal do Capitólio de 2021) com base em posição política ao invés de censurar toda e qualquer violência em massa. O que se retira das opiniões expressas pelos apoiantes destes acontecimentos é que a violência massificada é perfeitamente válida desde que o indivíduo, numa perspetiva estritamente subjetiva, concorde com as suas causas sendo as vítimas irrelevantes. Analogamente, trata-se de validar uma forma (para já) “moderada” do pensamento populista do Período do Terror encabeçado por Robespierre do Comité de Segurança Pública aquando da Revolução Francesa.
A hipocrisia destas aprovações já é indiretamente alvo de estudo na comunidade científica, nomeadamente através da (não) delimitação dos conceitos de “revolução” e “rebelião”. Alguns debatem que ambos equivalem ao mesmo, variando em nome devido a um ser a perspetiva de quem se rebela e o outro a de quem é alvo de rebelião. Quanto a mim, também é de se considerar, nesta posição, o sucesso de cada um destes eventos antigovernamentais, pois, como diz o velho ditado,“a história é escrita pelos vencedores”.
Por isso, é que não se conotam, na generalidade, as revoluções de sucesso como “más” e as revoluções falhadas como “boas”, porque a condição humana empurra os sujeitos para o pensamento maioritário, sem que isso se relacione, na verdade, com avaliações moralmente positivas das atitudes dos revolucionários. Exemplificando: a Revolução Francesa é considerada como um dos eventos mais importantes da história da humanidade e, apesar do nível de brutalidade que representou com o já referido Comité, continua a ser considerada como uma “boa” revolução. Contudo, pensaríamos o mesmo se esta tivesse fracassado e se não nos tivéssemos construído a partir dela? Claramente que não.
Este tipo de pensamento revela-se importante na atualidade, já que se vive tempos em que grupos antagónicos agem com níveis de agressividade semelhantes que acabam por ser aprovados por uns e desaprovados por outros, caindo numa situação de pura hipocrisia quando a situação se reverte contra eles. A título de exemplo: Trump já foi declarado por muitos um traidor devido às suas ações e por outros como um mártir devido ao que representa. Igualmente, os instigadores da violência em Minneapolis viram-se elogiados pelo que representavam para uns e criticados por outros devido à violência que promoveram . Como se vê, situações quase idênticas, em que ambos os grupos sacrificam pessoas de uma ou de outra forma a fim de atingirem os seus objetivos ideológicos, alterando os seus princípios sempre que em causa esteja a defesa do oposto.
Apela-se, portanto, ao espírito crítico, à coerência ao comentar este tipo de eventos e ao combate à hipocrisia de defender ocorrências de tamanha dimensão social e humana de forma arbitrária. Pregar, num dia, a “violência justificada” e, no dia a seguir, queixar-se dela porque outros a consideram justificada é uma afronta ao espírito democrático e humanístico da sociedade contemporânea assim como uma verdadeira falta de honestidade intelectual. O velho Diógenes da Grécia Antiga deambulava pelas ruas de Atenas com a sua lamparina à procura de gente verdadeira e virtuosa, mas parece que, afinal, ainda não a encontrou. Nem na antiguidade nem na pós-modernidade pelo que se vê.