Ensino, ensino profissional e Pandemia
Primeiro como nota de interesse devo dizer que para além de ser filho de uma professora estou casado com uma professora e que assim há muito tempo tenho sido testemunha em primeiro grau do desgaste imenso, do tormento de Sísifo que é inerente a quem ensina. Os permanentes avanços e recuos, as alegrias e as frustrações, a burocracia, as directivas sem sentido, as formações sem interesse são disso uma constante. Algum motivo haverá para ser esta uma das classes que denotam uma maior incidência de baixas médicas, nomeadamente psiquiátricas.
Uma classe que, para além do mais, nos últimos largos anos foi em Portugal severamente fustigada, atacada por aqueles que não entendem que atacando-a estão na verdade a atacar o seu próprio futuro. Não espero que Sócrates compreenda Platão mas digo-vos que o ensino não aproveita apenas às gerações vindouras, aproveita essencialmente àqueles que um dia irão viver segundo os cânones dessa geração.
Felizmente que aqui na R.A. Madeira a senha persecutória contra os professores nunca atingiu a demência autodestrutiva de Lisboa. As condições de ensino mesmo longe de óptimas são, reconheço, melhores do que no continente. Apesar disso a falta de professores já é notória e vai-se inevitavelmente agravar. Já não há muitos novos licenciados com espirito de missão e poucos serão aqueles que no futuro aceitarão os mesmos baixos salários, horários extensos e um desrespeito geral enraizado pela profissão. Deixo aqui o aviso.
Passado então este preâmbulo, longo mas necessário, vou finalmente ao verdadeiro motivo e razão última da minha carta. Ao contrário do que fui ouvindo estou desde a primeira hora convencido que as escolas são um dos locais de eleição para a disseminação do novo vírus. Deixando de parte a dúvida que ainda subsiste acerca da transmissibilidade nos menores de 12 anos, o risco entre aqueles maiores de idade está felizmente agora a ser considerado e valorizado.
Só quem nunca foi adolescente e não se lembra dos seus próprios hábitos, ou esquecido não atenta no que vê, pode pensar que aqueles não são um veículo perfeito de transmissão porque as causas são várias;
- Total desrespeito pela distância social (um conceito já em si abstruso e impossível de cumprir numa sala de aula)
- Uso errático de máscara (alguém que diga a um moço de 17 anos que tem de usar máscara quando está a falar com a coleguinha.)
- Partilha de bebidas, comida, telemóveis, etc.
Por isso devo dizer que fiquei agradado quando o G.R.M. anunciou a suspen’são do ensino presencial. Mas também foi aí que nasceu a minha perplexidade pois se ao ensino secundário foi imposto o ensino à distância tal não se aplicou ao ensino profissional. E digo perplexidade porque pertencendo os dois à mesma faixa etária, partilhando exactamente os mesmos riscos de saúde pública não se entende como é que uns são abrangidos e outros não.
Daqui extraio a convicção, para não dizer a certeza inequívoca, que a decisão não foi tomada por critérios clínicos mas sim e exclusivamente por um imperativo político. É por isso que eu pergunto no caso de haver casos de infecção entre professores/alunos/familiares dentro do quadro de um surto escolar quem devemos responsabilizar? O Vírus em si? Por certo que não, D.R. de Saúde? Mas se a recomendação não pode ser certamente essa… Porque note-se, existe uma razão para que as leis sejam gerais e se apliquem de forma universal.
Espero sinceramente que a secretaria da educação considere a situação e o perigo e reverta a situação, até porque estou seguro que será esse, sem excepção, o interesse de todos os madeirenses.
João H. Sousa