Sectores têxtil e automóvel receiam demoras nos processos alfandegários
O setor dos componentes automóveis e a indústria têxtil e do vestuário receiam demoras nas exportações para o Reino Unido devido ao 'Brexit', tendo em conta que haverá um aumento de burocracia a nível alfandegário.
Em declarações à agência Lusa, Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), alertou para um aumento dos "custos de contexto em termos de todo o processamento alfandegário", lamentando que se tenha perdido "uma vantagem que existia por todos estarem dentro do mesmo espaço comercial" e sublinhando que houve um "retrocesso no tempo".
Também Adão Ferreira, secretário-geral da AFIA - Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel apontou "os efeitos nefastos da introdução da alfândega", explicando que "as mercadorias passarão a estar sujeitas ao cumprimento de formalidades aduaneiras".
"Este custo de contexto poderá causar atrasos na entrada/saída de mercadorias da União Europeia para o Reino Unido e vice-versa. Ou seja, em última análise poderão ocorrer falhas no fornecimento de componentes às linhas de montagem", garantiu.
Ainda assim, os dirigentes associativos aplaudem o facto de não haver tarifas acrescidas com a saída do Reino Unido da União Europeia, que se concretizou às 23:00 de 31 de dezembro.
"Felizmente o cenário de haver tarifas não se concretizou porque houve acordo e isso foi uma grande vantagem porque iria criar sérias complicações no mercado", referiu Mário Jorge Machado.
Também a AFIA "aplaude o facto de o acordo prever direitos aduaneiros nulos e contingentes pautais com isenção de direitos para todas as mercadorias que cumpram as regras de origem adequadas", de acordo com Adão Ferreira.
No caso dos componentes automóveis fabricados em Portugal, "o Reino Unido continua a ser um mercado importante", sendo o "quarto país parceiro comercial da indústria de componentes automóveis portuguesa, com uma quota a rondar os 7% das exportações".
Para a indústria têxtil e vestuário o peso do mercado britânico é de aproximadamente 6,5%, segundo dados da ATP.
Mário Jorge Machado alertou ainda para o impacto de questões "como a economia circular, a produção sustentável" e "a utilização de produtos que estão validados como inofensivos para uso humano, porque no setor do vestuário há ainda artigos feitos em algumas zonas do mundo que podem utilizar químicos que não são possíveis de usar dentro da União Europeia".
O dirigente associativo questionou se o Reino Unido "vai manter a postura de não usar este tipo de produtos ou se vai começar a utilizar outro tipo de materiais que são mais baratos, mas nocivos para o ambiente e as pessoas".
A indústria têxtil e vestuário depara-se ainda com outro desafio para os próximos tempos. "Houve uma série de antecipações nestes últimos meses, porque previa-se que pudesse haver um cenário de introdução de taxas e houve muitas marcas que anteciparam compras desde outubro", alertou Mário Jorge Machado.
Esta movimentação terá agora "um efeito de alguma forma perverso que vai fazer com que os próximos três meses haja uma diminuição mais acentuada porque houve uma antecipação em termos de 'stocks'", explicou, sublinhando que se trata de "situações de conjuntura, não é estrutural".
Após 10 meses de negociações, a União Europeia e o Reino Unido chegaram finalmente a um Acordo de Comércio e Cooperação em 24 de dezembro que garante o acesso mútuo dos mercados sem quotas nem taxas aduaneiras.
Sobre as pescas, o compromisso prevê um período transitório até junho de 2026, durante o qual os europeus abandonarão gradualmente 25% de suas capturas nas águas do Reino Unido, após o qual as quotas de pesca passarão a ser negociadas anualmente.
Dado já não ser tecnicamente viável a ratificação com vista à sua entrada em vigor em 01 de janeiro de 2021, os 27 concordaram com a aplicação do novo acordo de forma provisória até ser aprovado oficialmente pelo Parlamento Europeu o mais tardar até final de fevereiro.