Pandemia mostra necessidade de mudar acesso à saúde e resposta à solidão
A Conferência Episcopal Portuguesa defendeu hoje que a pandemia de covid-19 é uma ocasião para mudar mentalidades, nomeadamente no acesso preferencial à saúde por quem tem mais dinheiro e na resposta à solidão dos mais velhos.
"Sabemos que não há recursos ilimitados", mas "o conceito de lucro na saúde é problemático, quando se torna o critério decisivo", considerou a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) num documento intitulado "Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal", hoje publicado.
Embora aproveite para manifestar "reconhecimento e gratidão" aos decisores, aos prestadores de serviços na saúde, aos responsáveis das escolas e das instituições de solidariedade que têm ajudado a combater a pandemia, a CEP refere que a doença levantou várias questões.
"As questões levantadas por esta pandemia não são apenas sanitárias, económicas ou sociais, mas devem ser ocasião para provocar uma mudança de mentalidade e uma reviravolta cultural", refere o documento.
Uma das questões a mudar, defende a CEP, é "o conceito de lucro na saúde".
"Sabemos que não há recursos ilimitados", mas "o conceito de lucro na saúde é problemático, quando se torna o critério decisivo, exclusivo ou principal".
Apesar de todos dizermos que "estamos no mesmo barco", a saúde não é igual para todos, consoante se tenha possibilidade de recorrer ao serviço de saúde privado ou não, refere.
"Se não formos capazes de alterar este binómio -- vida e saúde --, onde se mede a igual dignidade de todos, não teremos uma sociedade justa e solidária", considera a CEP, lembrando que "o direito à vida não é só ter direito de viver", mas também a ter "condições para uma vida digna e sem discriminações".
Outra questão que a CEP afirma ter-se tornado incontornável com a pandemia é a solidão, sobretudo dos idosos.
"A questão dos idosos e a ideia de que são descartáveis é um escândalo que se revelou em toda a sua brutalidade", admite a Conferência Episcopal, defendendo que nos devemos "isolar do vírus e não do idoso".
Para a CEP, a covid-19 mostrou que não existe capacidade de resposta para a solidão.
"Com a pandemia, arriscamo-nos a deixar para trás faixas da população que já eram frágeis e que viram agravar a sua situação. Este tempo faz-nos olhar com preocupação para o fosso escandaloso entre os ricos e os pobres, entre os privilegiados e os não-privilegiados. Em muitos lugares, o doente, o mais velho e o deficiente sofreram de forma mais grave", descreve a CEP, acrescentando que também o preconceito racial continua a existir. "Pessoas das periferias, sobretudo migrantes, refugiados e prisioneiros, têm sido os mais afetados por esta pandemia", lembra.
Estas questões mostram que "a nossa sociedade precisa de uma Igreja que seja 'hospital de campanha', pronta a socorrer, a cuidar, a abrigar, como já o foi em tantos momentos de crise", defendeu a CEP, incentivando as paróquias e dioceses a questionarem-se se o têm sido e de que forma o poderão ser.
Além disso, reconhece a CEP, é preciso "descortinar um outro modo de ser Igreja".
"O fecho das igrejas às celebrações comunitárias nos inícios da pandemia deverá ter-nos aberto os olhos para descortinar um outro modo de ser Igreja, feito não só de liturgia e de oração, mas de vida quotidiana", refere, adiantando que uma solução pode estar na Internet.
"Os meios digitais podem tornar o virtual 'quase real' e servir para aproximar, partilhar e construir laços", pelo que a Igreja está a servir-se destes meios "para a oração, as catequeses, a formação, a educação, a comunicação e o teletrabalho".
Além disso, é preciso "chamar os jovens" que têm "a mudança sempre no ADN".
"Sem a escuta atenta dos jovens, sem a sua visão da Igreja e do mundo, não haverá adequada renovação e conversão pastoral", admite a CEP, lembrando que Portugal está a preparar a Jornada Mundial da Juventude para 2023.
A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.818.946 mortos resultantes de mais de 82,6 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 6.972 pessoas dos 420.629 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.