Futuro, sem visão
A resposta, numa perspectiva de médio prazo, passa por procurar o caminho mais curto e mais capaz de ajudar a retoma da economia
Aproxima-se a data simbólica de um ano relativa ao início da pandemia de COVID 19 vivendo-se ainda uma situação de grande incerteza e complexidade. À assincronia geográfica da evolução da doença com algumas zonas do globo a enfrentar a primeira vaga, associa-se, agora, em países inicialmente mais afectados, um crescimento de casos, em números muito preocupantes. É certo que, entretanto, os sistemas de saúde se reforçaram em equipamentos e, sobretudo, conhecimento, experiência, tendo hoje uma maior e melhor capacidade de resposta mas, a incerteza é ainda o adjectivo mais apropriado para descrever a situação.
Do ponto de vista estratégico e conhecendo-se já os impactos socioeconómicos mais imediatos, induzidos pela pandemia de COVID 19, a resposta, numa perspectiva de médio prazo, passa por procurar o caminho mais curto e mais capaz de ajudar a retoma da economia. É, por isso, natural que os governos, nas suas diferentes escalas, procurem juntar às acções mais imediatas algumas propostas eventualmente adequadas para o tão esperado pós-COVID 19. No caso português, a encomenda de uma visão estratégica para a recuperação económica dá expressão a essa vontade. O que se espera de um exercício deste tipo é, desde logo, uma identificação do que será o possível futuro, criando-se uma referência entendível pelos que terão a responsabilidade de o gerir politicamente e pelos que estarão obrigados a fazer esse futuro, de modo a que todos se sintam convocados, motivados, e se possa obter o compromisso e energia necessários para os enormes desafios que se adivinham. Outra perspectiva imperativa é a garantia da expressão territorial (e social) completa do que se propõe, garantindo que ninguém, nem nenhum lugar, fica para trás. Depois, e dentro da largura de banda que as opções e tendências políticas se permitam utilizar, as velocidades, tendências e prioridades temáticas mais específicas podem variar mas, o essencial, o que se considera verdadeiramente estratégico, deve ser claro, simples, perceptível e mobilizador. Igualmente, a proposta, quer conceptualmente quer ao nível operacional deveria ser capaz de resistir a um teste de sustentabilidade, podendo contrastar-se com referenciais universais com os quais estamos formalmente comprometidos. Olhar para a visão e para as suas propostas e confrontá-las com os princípios da Agenda 2030 e os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Outra sugestão é, no caso nacional, tentar adivinhar o que se vai fazer a todas as outras Estratégias Nacionais, planos e programas sectoriais, que entretanto foram aprovados e que estando em vigor, não se percebe como se compaginam com a encomenda justificada pela COVID 19.
A proposta tem vindo a ser avaliada publicamente por aquilo que não é. Não identificando os custos, as metas e indicadores, é remetida para lista de desejos e de lugares comuns com que todos tendemos a concordar na generalidade. Se remete para decisão e vontade dos governos, sem qualquer compromisso ou garantia à cabeça, o risco é servir para recolocar sobre a mesa algumas “obrinhas” que por qualquer motivo saíram da agenda política e que oportunisticamente se tenta retomar. Uma visão para o futuro, seja ele qual for, conhecido ou incerto, próximo ou distante, carece de análise de contexto. É aqui que reside o verdadeiro ponto fraco da proposta, não se conhecem as bases de referência de que parte, não há qualquer análise comparativa, não sabemos com quem estamos a competir (por exemplo no que se refere a transportes marítimos), com quem queremos cooperar de forma privilegiada, que processos queremos liderar, que geoestratégia queremos seguir ou aproveitar. Sem que estas questões sejam claras, certamente teremos algum futuro mas o mais certo é que visão, temos ainda pouco. Vê-se muito mal, para já.