Crónicas

“Cá nada...”

... pois é, camarada, tanto que eu queria ir à grande festa anual do povo unido, lá para os lados do Seixal de lá, mas o pobre aqui das ilhas continua desterrado como no tempo do fascismo, não se consegue uma viagem barata a tempo e horas, e ainda por cima há aquela do teste covid à chegada, isso ia obrigar a uma quarentena a sério, camarada, é mais do que certo que o bicho ia me atacar, com aquela gente toda, pudera, só se acontecesse o milagre da imunidade do povo unido, quem sabe, talvez por especial graça do beato Estaline, mas comunista que se preze não acredita em milagres, penso que o bicho vai pégá mesmo, como dizem os brasileiros, eles agora têm lá um fascista a mandar, mas olha que não têm medo, cá nada, o povo unido sai à rua quando é preciso, só neste país do catano é que a reação andou semanas a ver se conseguia bloquear a festa que é bandeira e glória do nosso partido, é assim há anos, mais de cem mil na Atalaia, era uma festa a sério, com muita música, cerveja a rodos, cultura da boa, e febras no grelhador, sim senhor, aquilo ali não há aquelas comidas da burguesia, com salamaleques e criadagem, cá nada, ali é povo unido a sério, a alma proletária até sai lavada, talvez já um bocado encardida pelas investidas do neocapitalismo, surtos do patronato mais certeiros que os da covid, valha a verdade, mas que podemos fazer, é trabalhar na fábrica e berrar na rua, e mais umas greves pelo meio, que é para o governo social-capitalista meter a mão na consciência, caso a tivesse, também é preciso ver que já não estamos em 75, belos tempos, quando o sol brilhava pra todos nós e o grande líder Barreirinhas estava quase a partir os dentes à reação, mas o povo agacha-se sempre, e os governos da burguesia lá conseguiram levar a democracia deles por diante, uma vergonha, com o nosso povo, como diz o camarada dirigente, o nosso povo cada vez mais explorado, mas o que faz falta é animar a malta ao som de Abril, democracia só há uma, a popular e mais nenhuma, que a nossa querida festa não se chama do Avante por acaso, cá nada, aquilo ali é onde o nosso hino se torna verdadeiro, respira-se democracia por todos os poros, isto se o bicho deixar respirar ainda, pois então, bem queriam boicotar aquilo mas não conseguiram, o nosso Primeiro sabe que pode contar connosco, favor com favor se paga, ele manteve a palavra contra os direitistas todos deste país, até o Professor andou por ali umas semanas a engonhar, mas não se atreveu a suspender a grande festa do povo unido, cá nada, a calamidade pública fica adiada, qual covid qual carapuça, bicho civil não contagia comunista, dizem que vai haver regras especiais, nada sei aqui, à distância deste mar, mas talvez sim, se há coisa que os comunistas praticam é o respeito das regras, sempre o fizemos, com as nossas, pelo menos, que as da burguesia são para ir boicotando, pois claro, ai a falta que me faz não poder tomar aquele comboio de bandeiras vermelhas a caminho da festa, mas ainda bem que o nosso partido levou a sua avante, avante é avante e assim se vê a força do pê cê, por alguma razão é o último dinossauro da Europa, dizem os jornais da burguesia, já ganhámos imunidade de grupo com décadas de justas lutas, e não é agora que os chegas todos da direita e aquelas tias da pandemia vão conseguir cilindrar-nos, não há vírus que nos pegue, cá nada, sempre avante é que é, sem medos, a reação queria confinar os camaradas, mas há mais de cinquenta anos que a reação não passa nem passará, cá nada...

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