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Todos contra todos na guerra pela Presidência dos Estados Unidos

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Donald Trump e Joe Biden disputam uma das eleições presidenciais mais renhidas dos últimos tempos, mas grande parte do esforço de campanha não tem sido contra o adversário, mas a tentar juntar fações internas de cada partido.

Embora o sistema político americano assente no bipartidarismo, o que teoricamente favoreceria a união em cada um destes dois partidos, mais do que nunca o divisionismo impera.

O partido democrata não conseguiu sarar as feridas das eleições primárias e enfrenta grandes cisões internas. No partido republicano, Donald Trump não é visto como líder do partido e há várias fações em disputa.

"Os democratas estão divididos entre a ala moderada e a progressista. A divisão republicana, entre moderados e conservadores, está muito focada nas políticas, estilo de liderança e escolhas do Presidente Trump", disse à Lusa Paul Manuel, catedrático de Ciência Política da American University.

A diversidade dentro de cada partido sempre existiu nos Estados Unidos. Aliás, o diálogo e cedências que permitem acordos partidários partem maioritariamente das alas mais moderadas dentro de cada um dos partidos.

O que se verifica nestas eleições é a ausência de moderados, provocada pela bipolarização extrema que resulta dos últimos quatro anos de ação presidencial, em que o discurso ideológico deu lugar ao populismo.

"Donald Trump não corporiza nem representa qualquer tipo de ideologia coerente. Mas este é, em parte, o segredo da sua atração para alguns segmentos do eleitorado. A ausência de um caminho ideológico permite-lhe adotar o que quer que funcione para cada audiência que ele tenta atingir", afirma Daniela Melo, professora de Ciência Política da Boston University.

Vários analistas apontam que a derrota de Hillary Clinton nas últimas presidenciais foi devida, em grande parte, à recusa do eleitorado progressista democrata, afeto a Bernie Sanders, em votar na plataforma moderada da candidata.

Os progressistas-ambientalistas representaram 35% do voto democrata nas últimas primárias e Joe Biden não tem conseguido unir o partido.

Paul Manuel considera que as prioridades mudaram: "Para os progressistas, o assunto principal agora é votar contra Trump, não é realmente votar por Biden. A questão é se os progressistas vão, ou não, aparecer para votar".

Este apelo à participação eleitoral tem sido uma constante para ambas as campanhas. Sabido que será uma eleição muito renhida, cada voto conta. Um desafio que arrasta milhões de dólares em publicidade e atividade política para os oito estados 'swing' (baloiço), assim chamados porque oscilam em diferentes eleições e decidem o vencedor.

Na Pensilvânia, Michigan, Arizona e Wisconsin, Biden está em vantagem nas sondagens. Nos restantes estados - Ohio, Carolina do Norte, Iowa e Florida - a tendência é para o empate.

Apesar do constante bombardeamento político na rádio, televisão, jornais e media digitais, o ceticismo e o descrédito das lideranças políticas permanece.

"Vamos ser honestos, nenhum dos candidatos é ideal" disse à Lusa Mário Rebello, ativista republicano e antigo secretário do Governador Lincoln Almond, do estado de Rhode Island.

"A eleição presidencial 2020 é sobre reacertar a posição da América no plano global, reconstruir a economia e gerir a pandemia de Covid", disse Rebello.

De modo diferente, ambas as campanhas se focam nas mensagens de recuperação da economia no pós-pandemia e na 'lei e ordem', em resposta à crescente crispação gerada pela violência racista e consequentes confrontos entre grupos opostos. Uma agenda que arrasta os democratas para posições mais conservadoras, alienando progressistas e atraindo republicanos.

"Votar em Biden é ter de engolir um sapo", diz Lisa Silva, ativista democrata de Connecticut. "Mas prefiro isso a apanhar com mais quatro anos de Trumpismo".

Por outro lado, o acentuar do discurso 'lei e ordem' e as posições unilaterais de Donald Trump afastam conservadores moderados.

Mário Rebello, republicano convicto, não esconde: "Os eleitores devem apoiar o candidato que provoque menos 'estragos' e que seja capaz de recolocar a América na liderança global, resolvendo o problema da pandemia. Em minha opinião é Joe Biden".

Ciente desta clivagem interna, a campanha Trump-Pence agarra-se cada vez mais ao voto evangélico. Mas apesar de o Presidente cortejar as lideranças religiosas do Sul, sobretudo nos estados 'swing', o perfil e conhecidos abusos de Trump são uma barreira difícil de transpor.

O que tem valido ao vice-presidente Mike Pence, evangélico convicto, um trabalho extremamente ativo por 'detrás das cortinas', como o antigo governador de Indiana prefere.

Daniela Melo salienta que, "no final, esta eleição é uma batalha pela sobrevivência. Ou de Donald Trump, ou da democracia'.

Na luta pela sobrevivência, ganha o extremismo em detrimento do diálogo político, cavando-se ainda mais as clivagens internas.

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