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O burro do amigo de Demóstenes

O viajante, mesmo sem perceber, teve que pagar pelo burro e pela sombra deste

Demóstenes, orador e político da Grécia, séc. IV a.C., contou que um seu patrício alugou um burro a um viajante para deslocar-se a determinada terra. Durante a viagem, como o sol era muito, o viajante parou e sentou-se debaixo do burro, aproveitando a sombra deste. Na hora de pagar o aluguer, o viajante reclamou porque lhe pediam pagamento em dobro. O dono do burro justificou que apenas alugou o burro, não a sombra. Por isso, o viajante tinha que pagar pelo serviço da viagem e pela utilização da sombra do burro.

Despesas incógnitas

Na fatura da eletricidade, da água, telecomunicações e nos extratos bancários existem contribuições especiais, taxas, comissões e outras despesas que o cidadão comum não percebe a que dizem respeito. O mesmo acontece com as casas inabitadas. Mesmo que não se faça qualquer despesa de água e eletricidade, no final do mês chega sempre a fatura para pagar serviços que não foram utilizados.

Taxa das lanternas de azeite

A cobrança de dívidas sem o respetivo serviço, não é tema recente. Pina Manique (séc. XVIII) cobrou taxa aos lisboetas pelo serviço de iluminação pública (à base de lanternas de azeite) nas ruas de Lisboa. Nalguns locais a iluminação foi suspensa nas noites de luar, mas a taxa continuava a ser cobrada. Pior ainda, a taxa continuou a ser cobrada muito tempo depois de extinguir a prestação do serviço (assim descreve Valério Bexiga no livro - A cabra que pula a vinha -,p. 141). Até hoje ninguém conhece qual a justificação destas cobranças sem o respetivo serviço!

O não imposto imposto

No livro Breve História do Imposto (BHI) (Edições Vieira da Silva), descreve algumas contribuições especiais, as quais, mesmo lendo o texto legal, o cidadão comum não percebe a que se destinam. Este é um exemplo de taxas associadas aos custos administrativos e associadas a critérios de otimização da utilização de recursos comuns (p. 64 da 2.ª Ed de BHI).

Na Assembleia da República, durante uma audição sobre as PPP (parcerias público-privadas), um ex-ministro disse: em muitas das PPP considerou-se que o único responsável pelo pagamento era o contribuinte, porque é mais difuso e o contribuinte não percebe bem o que está a pagar e ninguém vai perguntar se está de acordo (p. 64 da 2.ª Ed de BHI).

É caso para recordar o burro do amigo de Demóstenes, o viajante, mesmo sem perceber, tem que pagar pelo burro e pela sombra deste.

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