A propaganda não paga salários
Neste momento, não há perspetivas de uma retoma a curto prazo que garanta a sustentabilidade das empresas e do emprego
Há uns anos atrás, desempenhava eu funções comerciais no Aeroporto da Madeira, quando, no decorrer de uma reunião para captação de rotas interpelei um responsável de uma companhia aérea europeia dizendo que as taxas de ocupação eram tão elevadas que faria todo o sentido reforçar a operação para a Madeira. A resposta, curta e direta, foi-me dada em forma de pergunta: “Mas tu sabes a que preço vendo os lugares?”. Efetivamente, eu não sabia. E este foi um momento de aprendizagem, que mais tarde e noutras funções me fez recordar que, também no transporte marítimo ou na hotelaria, as taxas de ocupação não pagam os custos. Mais importante ainda, despertou-me para a necessidade de tomar decisões com base em informações corretas e tendo em conta a realidade dos factos.
Hoje, desempenhando funções como deputado na Assembleia Legislativa da Madeira, sou naturalmente crítico sempre que existe desfasamento entre o discurso político e o mundo real. Poderá parecer assunto de menor importância, mas a verdade é que se torna mais evidente, e bem mais grave, quando ocorre em situações de crise como aquela em que vivemos. Por um lado, pelo efeito perverso que poderá criar em termos de expectativas, mas sobretudo porque leva a tomada de decisões erradas ou, no mínimo, desadequadas.
Vejamos o que se passa com o principal motor da economia regional, o Turismo, setor do qual dependem dezenas de milhares de trabalhadores e a grande maioria do nosso tecido empresarial. Para o Governo Regional, a propaganda parece ser a solução. Dizer que foram derramados mais de 58 milhões de euros só na hotelaria, que temos a melhor linha de apoio com fundo perdido e que foram entregues 55 milhões de euros, que uma taxa de ocupação de 30% na Festa da Flor é extraordinário, que o Porto Santo está na moda ou que a pandemia não afetou o Norte da Madeira, é faltar à verdade e demonstrar um claro distanciamento da realidade com que vivem muitas empresas e muitos trabalhadores do setor, nos quais incluo os empresários, pois dele também depende o seu sustento.
Pois bem, é fácil constatar que a realidade é completamente diferente. Há uma enorme incerteza no setor, relatos de operações canceladas para o próximo Inverno, e uma preocupação crescente com a manutenção dos postos de trabalho agora que o fim do Verão já não permite que o mercado interno regional possa disfarçar a verdadeira situação do Turismo na Região.
Ora, sem atividade económica e sem receitas, não há forma de garantir o pagamento de salários, sem que existam apoios ou medidas para atingir esse objetivo. Neste momento, não há perspetivas de uma retoma a curto prazo que garanta a sustentabilidade das empresas e do emprego, e mesmo as linhas de crédito a que muitos recorreram representam por agora apenas maior nível de endividamento e, em breve, mais um encargo. Além disso, a prometida conversão a fundo perdido apenas poderá existir caso se mantenham os postos de trabalho por 18 meses, algo que me parece muito improvável.
A nossa Autonomia permite-nos tomar decisões, incentivando um setor do qual depende mais de 17% da população ativa e que tem um efeito transversal em tantas outras áreas. Seja com recurso ao endividamento no curto prazo, reivindicado pelo Governo Regional e já aprovado, seja desenhando sistemas de incentivos com recurso a fundos comunitários que se avizinham, é fundamental manter os níveis de emprego na região, pois o desemprego é evidentemente uma alternativa bem pior.
Quando se falam de medidas, dando como exemplo o layoff simplificado e a importância que teve, o Governo Regional e a maioria que o suporta vêm a público dizer que uma medida nacional, aplicável a todo o território incluindo a Madeira, não é solidariedade, até porque as contribuições das empresas e trabalhadores da RAM são geridas a nível nacional pela Segurança Social. Pois bem, mantendo este raciocínio, a conclusão é clara e evidente. Dos impostos cobrados na Região e geridos pelo Governo da República, sabemos qual o destino que foi dado em termos de medidas para salvaguardar o emprego e as empresas. Dos impostos cobrados na Região e geridos pelo Governo Regional, não se conhecem medidas com esse mesmo objetivo.
O PS-Madeira tem apresentado inúmeras propostas que vêm sendo invariavelmente rejeitadas pela maioria PSD/CDS na Assembleia Legislativa da Madeira, como se, num momento como aquele em que vivemos, a Madeira e os madeirenses não mereçam estar no topo das prioridades. Devemos exigir responsabilidade, ação e decisão, porque, tal como as taxas de ocupação, a propaganda também não paga custos, muito menos salários. Não podemos permitir que uma crise sanitária, hoje já económica, se transforme numa grave crise social.