Cidadania para (bem de) todos
A educação para a cidadania mostra-se como uma ferramenta útil, óbvio que não perfeita
Como nos tempos anteriores à pandemia do Covid-19, Portugal volta ao seu velho esplendor com discórdias internas que não lembram nem ao diabo. Desta vez, o tema é o da disciplina de Educação para a Cidadania e tem como protagonista o grupo de cidadãos que a ela se opõe. Para variar a guerra política entre esquerda e direita ou, como se apelidam uns aos outros, “comunas”/marxistas e fascistas/nazis já foi declarada devido a muitos crerem que a dita disciplina tem o objetivo de espalhar o apelidado “marxismo cultural” através da abordagem de conceitos como o de identidade de género e outras temáticas. Citem-se as palavras de Manuel Braga Cruz, mentor do abaixo-assinado crítico da disciplina: “... o primado da educação moral pertence aos pais e não ao Estado... Nenhum dos signatários é contra uma disciplina de educação para a cidadania. O que nós somos contra é o totalitarismo na educação.”
Numa sociedade utópica, estes argumentos assentariam que nem uma luva, mas, como vemos, estamos muito distantes de viver em tal meio. É verdade que as crianças têm é que ser educadas em casa. As suas experiências sociais e respetivo desenvolvimento deve começar com a sua família, seja ela constituída como for, para posteriormente evoluir com experiências de vida e consequente formação de identidade moral. Agora pergunto: Todas as famílias são perfeitas? Todas as crianças têm o mesmo acesso positivo ao desenvolvimento moral em casa? Não há necessidade de um fator de normalização social no que diz ao respeito do outro e dos direitos humanos? Parecem-me perguntas óbvias, mas, pelo sim pelo não, reafirmo a posição de que há a necessidade do desenvolvimento humano em meio escolar já que é óbvio que nem todos o desenvolvemos de forma socialmente positiva. Pessoalmente, tendo apenas recebido as aulas de Formação Cívica, não necessitei dos seus ensinamentos para nada, porque, felizmente, venho de uma família que sempre cuidou de mim e me orientou no sentido de ser uma pessoa com linhas éticas, mas estou longe de crer que todas as crianças tenham a mesma sorte. Aliás, cada vez mais surgem casos óbvios da falta de cidadania e civismo ou já nos esquecemos todos da falta de civismo demonstrada ao longo de dois meses no Porto Santo (como se fossem casos isolados)? Mas, como insinuava o já referido Professor, o problema é dos pais e, entretanto, sofremos todos com os comportamentos problemáticos dos outros.
No que diz respeito ao segundo argumento, concordo totalmente. Há totalitarismo na educação. Sempre houve, sempre existirá, até porque o próprio ensino se baseia na realidade, algo totalitário por natureza, e a atual realidade é a de que o mundo se desenvolve num sentido ou noutro e hoje existem (factualmente) grupos de pessoas cada vez mais relevantes que se identificam de determinada forma pelo que apontar a sua existência e sua perspetiva está longe de ser um caso de indotrinação. Ou falar de nazis e estalinistas nas aulas de história é também um empurrão cultural dos jovens para os respetivos campos ideológicos? Digo, desde já, que estou longe de ser alguém que compreende espectros de género ou de sexualidade (por ser em relação a isto que o debate se prende), mas não vou negar a existência de uma forma de ser com a qual algumas pessoas se identificam, muito menos considerá-las mentalmente debilitadas (um fenómeno bastante visível). Porque, no fundo, é completamente irrelevante a uma pessoa que não se veja nessa situação se acredita em mais de dois géneros ou não. Contudo, histórica e evolutivamente, os grupos minoritários (capazes de serem maioritários noutras regiões) sempre foram alvo de tipos de opressão e é por isso que se explica a necessidade de um tipo de mecanismo preventivo para a não repetição da história. Para respeitar, é preciso conhecer e é esse o porquê de existirem disciplinas como a de Educação para a Cidadania, não para chegar às crianças e as confundir sexualmente. Se for esse o medo, então, como já disse o Professor, é da responsabilidade dos pais “desbaralhá-las”.
Por mais que o contrariemos, os tempos mudam e a sociedade desenvolve-se mesmo que não o queiramos, mantendo-se sempre a necessidade para a cidadania e para o respeito do outro, independentemente de quem ele seja. A educação para a cidadania mostra-se como uma ferramenta útil, óbvio que não perfeita, para o apaziguamento dos choques culturais que surgem e que precisam de, semelhantemente a eles, se manter em constante evolução.