Uma leitura muito urgente
Aceitar a morte dos idosos é a maior baixeza moral. Não podemos permiti-lo. Tolentino fá-lo com frontalidade e amor
O Cardeal Tolentino Mendonça lançou há dias um livro no qual reuniu três temas essenciais para a actualidade portuguesa: o que significa amar um país e de que modo podemos interrogar a crise de hoje; qual o sentido da palavra “esperança” durante a pandemia, ao enfrentarmos um mundo desconhecido que muda o nosso lugar no tempo; e finalmente, de que forma a beleza, a graça e a fé podem combater a solidão e a calamidade destes dias.
Neste livro cujo título é “O que é amar um país”, podemos encontrar não só o discurso que o Cardeal leu na cerimónia oficial do 10 de junho, este ano, como duas notáveis reflexões, uma sobre o sentido da palavra “esperança” e seu poder em tempos de pandemia, e outra sobre a importância da beleza e da fé no combate à solidão.
Neste livro que acabo de ler nas minhas férias, José Tolentino de Mendonça interroga os sinais da vida quotidiana mas também os clássicos da literatura, da teologia, da filosofia e da poesia mostrando a importância da beleza e da contemplação em tempos de dor estrema, solidão e imprevisibilidade, quando é tão importante relançar a esperança.
Por isso Tolentino nos interrogava – “o que significa sermos capazes de olhar os lírios do campo e as aves do céu? Significa adoptar uma atitude contemplativa. Precisamos de olhar, mas não apenas como habitualmente o fazemos pois a maior parte das vezes o nosso olhar morre junto aos sapatos. Somos desafiados a um olhar que vá além de nós, que supere os limites do nosso tracejado, que transcenda o perímetro das nossas preocupações imediatas, que se projecte para lá do que sozinhos conseguimos ver. Porque a vida não se resolve apenas com aquilo que trazemos ou conseguimos, mas sim no diálogo misterioso entre a nossa escala e a escala mais ampla que a própria vida é; no diálogo entre o que surge como conquista e o que brota como inexplicável dom; na interacção entre o aqui e o agora e o que é da ordem do interno”.
Dom Tolentino diz-nos também que “Portugal é uma viagem que fazemos juntos. Tarefa apaixonante e sempre inacabada de plasmar, uma unidade aberta e justa”, disse e cita Sophia de Mello Breyner para nos apontar de forma lapidar, que nos pode ser via de inspiração e de legado que “Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente”. Na ideia de justiça social, que precisamente a Doutrina Social da Igreja tem desenvolvido tanto, cabe o essencial do posicionamento ético que nos torna cidadãos de uma sociedade aberta, praticante da integração, atenta aos mais vulneráveis, capaz de compaixão, protectora da vida em todas as circunstâncias, acrescenta Tolentino. Aos jovens de hoje que não desvendam horizontes de futuro o Cardeal diz que pensa muito na geração de jovens adultos, abaixo dos 35 anos, que praticamente numa década se vê tolhida por uma segunda crise económica de grandes dimensões. Muitos deles com uma alta qualificação escolar, superior às das gerações anteriores, e que não tiveram as oportunidades de realização a que justamente aspiravam. Ve-mo-los obrigados a saltar do trabalho precário ou desenvolvendo actividades informais que lhes dão segurança de nada: nem enfrentar o futuro autónomo, constituir família ou ter filhos. Dar esperança aos jovens tem de ser um desígnio nacional, refere Dom Tolentino neste livro – O que é Amar um País. Um livro de grande urgência que diz respeito a todos e que todos devem ler.
A importância do poder da esperança, a prática colaborativa e comunitária, a partir da educação, da escola e da solidariedade inter-geracional, é um passo gigante no sentido da prevenção e da resposta terapêutica atempada em termos societais são algumas das realidades subjacentes aos desafios do presente e do futuro, segundo o autor.
Dom Tolentino de Mendonça, que foi meu parceiro na Pastoral da Cultura a que tenho a honra de pertencer, diz nesta obra que a realidade dos primeiros meses de 2020 nos convida a uma reflexão cuidadosa sobre como a pandemia gerada pelo Covid-19 afecta o nosso modo de vida habitual, o relacionamento connosco e com o outro. A crise que estamos a passar, além dos efeitos negativos sobre a perda de vidas e a economia, pode ser entendida como uma oportunidade para repensar, recalibrar, conscientizar os valores capitais da vida e da pessoa humana: saúde, relacionamento com os outros, comunidade, responsabilidade e liberdade. Recordar que a morte dos nossos idosos é uma bancarrota moral. Aceitar a morte dos idosos é a maior baixeza moral. Não podemos permiti-lo. Tolentino fá-lo com frontalidade e amor.
Acompanha-nos, também, por fim, o dito de Vaclav Havel: “A esperança não é a condição de que tudo vai correr bem mas a certeza de que algo faz sentido, independentemente de correr bem”.