O bom, o mau e a grande festa
A pobreza, antes escondida na noite e arrumada nas esquinas, encara, por necessidade, a luz do dia
Esta semana na telenovela “Caminho para Belém”. Numa fábrica de automóveis, António promete amor a Marcelo. Indignado com os avanços de António, Pedro Nuno declara-se disponível para relação temporária com qualquer outro. Desde que à esquerda de Marcelo. André e Ana, irmãos separados à nascença, lutam pela atenção que sobra. André chama Ana de cigana histérica, mas ignora os laços que os unem. Ana tem ciúmes de Marisa e por isso prepara uma cilada para a afastar. Do outro lado da estrada, o jovem Chicão pisca o olho a Marcelo, mas o pretendido finta a investida. Uns dias antes, Rui e Marcelo são apanhados num jantar a sós. Ambos negam intimidade. Na aldeia, corre o rumor que Marcelo não procura compromissos sérios. Até quando?
O bom: Madeira Digital Innovation HUB
Estamos há 20 anos sem crescer. Duas décadas parados. Deixe que a frieza do número assente. Agora junte o que está para vir. A Comissão Europeia prevê que, até 2024, sejamos ultrapassados em riqueza, pela Letónia, Hungria, Polónia e Roménia. Até que, em 2031, apenas a Bulgária nos roubará o título de país mais pobre da União Europeia. Por isso, é difícil aceitar uma política económica assente, apenas, na redistribuição de rendimentos e não no crescimento. Por uma razão simples. Quanto menos crescermos, menos riqueza haverá para redistribuir. Sem crescimento, para uns terem mais, todos terão que ter cada vez menos. Assim se empobrece um país. Essa inevitabilidade exige que todas as iniciativas que promovam o nosso potencial económico mereçam destaque. Especialmente quando se dirigem ao motor da nossa economia – em Portugal, as micro-empresas representam 96% do panorama empresarial. É o caso do Madeira Digital Innovation HUB, uma iniciativa da ACIF que pretende ajudar os pequenos negócios a iniciar o processo de transformação digital. É um balcão único para a digitalização económica. Não foi por acaso que as empresas que enfrentaram melhor a pandemia, foram as que tinham os procedimentos digitais mais aprofundados. Da presença no comércio digital até à relação com os seus trabalhadores. Essa transição era já inevitável, mas o vírus tornou-a urgente. O sucesso da recuperação económica do país depende da resiliência dos pequenos empresários ao inverno económico que se aproxima. A transformação digital será essencial para que as empresas sobrevivam a esse desafio.
O mau: Insegurança no Funchal
Aos poucos, a cidade revela as cicatrizes que o vírus lhe deixou. Os restaurantes que fecharam, os empregos que se esfumaram, as ruas que se esvaziaram de gente. Agora, da crise económica emerge, lenta, uma crise social. A pobreza, antes escondida na noite e arrumada nas esquinas, encara, por necessidade, a luz do dia. Porque são mais os que precisam e menos os que estão dispostos a dar. No Jardim Municipal, na Praça do Carmo, na Rua Latino Coelho, um pouco por toda a cidade, a exclusão social tornou-se parte da paisagem e, aos poucos, normaliza-se. Segue-se-lhe o vandalismo e a delinquência. Mas este não é, só, um problema de insegurança. É muito mais do que isso. Não se resolve com cacifos, nem com caixas de correio. Muito menos com o regresso ao devaneio de uma polícia municipal, pensada para a fiscalização de esplanadas e sem funções de policiamento. Este é, antes de mais, um problema de estratégia. A zona velha da cidade não se recuperou, apenas, com o reforço de policiamento. As pessoas voltaram lá, é certo, porque se sentiram seguras, mas principalmente porque se criou interesse para o regresso. As portas pintadas, os bares, os restaurantes, a música. Esse tem de ser o primeiro passo, trazer as pessoas de volta ao Funchal e isso só se consegue apoiando os pequenos negócios. Por fim, a cidade enfrenta um problema de inclusão, do qual ninguém se pode considerar absolvido. Quem pernoita na rua, não o faz por gosto. Ou, pelo menos, por decisão esclarecida. Fá-lo porque, a certa altura, o deixámos ficar para trás. A responsabilidade pela reparação dessa falha não pode ser apenas de alguns, tem de ser de todos. Enquanto não nos convencermos disso, a rua continuará a ser casa de muitos.
A grande festa: Novo Banco
Quem não se lembra quando uma ex-ministra socialista apresentava o programa “Parque Escolar” como uma grande festa para o país e para a economia? Percebe-se o entusiasmo. Mais tarde, uma auditoria do Tribunal de Contas identificou um aumento de 218% entre o custo previsto e o custo final das obras. Em 2020, recebemos convite para mais uma grande festa: a do Novo Banco. Ainda por cima, somos convidados especiais: pagamos e não sabemos para onde vai o dinheiro. Essa é a grande conclusão da auditoria da Deloitte sobre a gestão do banco – o bom e o mau – entre 2000 e 2018. Somos bons para pagar, mas iletrados para avaliar como foi gerido o dinheiro público. É essa contradição que justifica que a auditoria sobre o banco seja confidencial nas suas partes mais relevantes. Ficámos sem conhecer a lista de devedores, as perdas associadas, nem sequer o acordo que obriga o Fundo de Resolução a cobrir os prejuízos do banco. Mas a festa continua. Até hoje, custou-nos três mil milhões de euros e promete não ficar por aí. Pode até não aparecer no próximo Orçamento de Estado, para confortar o espírito de quem o vai aprovar, mas sairá dos bolsos do costume.