A sociedade desfigura-se pela “ética da indiferença”
Se há evidência que a pandemia do COVID19 veio demonstrar, é que o modelo de sociedade criado pelo homem é extremamente frágil e pior, é inimigo de si próprio, pois é do seu interior que surgem os males de que padecemos. Quero dizer, os males têm origem na sua própria (des) organização e não do exterior, como seria expectável numa sociedade unida num propósito de bem comum. Numa organização social, coexistem partes individuais e subjetivamente diferentes que constituem todo o conjunto da sociedade. Essa organização, implica modelos políticos, económicos e sociais, onde uma ética e uma moral laica, deveriam garantir o pleno e regular funcionamento da ordem e da justiça na sociedade. E é assim no plano formal normativo, aparentando o modelo estar razoavelmente bem construído, pelo menos na sociedade ocidental. Mas quando olhamos para o plano prático, verificamos que a sua execução é de extrema dificuldade. É hoje claramente percepcionável, que se formou uma sociedade em que se o outro não for parte do mesmo grupo social, ou se resvalar do padrão das maiorias, é interpretado com desvalorização. Trata-se de um processo de exclusão onde, potencialmente se incorre em sentimentos de ódio ou ações e comportamentos de discriminação ou preconceito, semeando assim a intolerância para com o outro. Torna-se notório que as práticas adotadas têm comprometido e gerado insegurança nas relações humanas, sendo agravadas pela globalização e pela lógica dominante do capitalismo sem rédea, nas quais a sociedade está aprisionada. Apesar desta nociva realidade e perante o acentuado panorama de desigualdades, a sociedade não pode permanecer na apatia e/ou aderir a uma “ética da indiferença”, num momento em que é obvio que a execução das diretrizes formalmente estabelecidas, leia-se normativos fundados numa ideia de bem coletivo, divergem do objetivo de bem comum. E por que é que tal acontece? A resposta será a mesma para a pergunta: Porque é que é tão difícil ao ser humano transferir para o coletivo, o modelo tradicional de família que todos vivenciamos, onde a família é uma organização nuclear, coesa e pronta a intervir beneficamente em favor dos seus? O problema, parece-me, estará exatamente na base do modelo de sociedade que se criou, onde se concebem paradigmas formais muito respeitosos, mas os planos de execução revelam-se desastrosos em toda a linha. Se não vejamos, repetindo e sendo mais claro: é possível termos uma sociedade mais solidária, mais coesa, alargando a família aos outros e não apenas à nossa família de laços de sangue? Embora difícil, possível é, mas não é nesse sentido que efetuamos a nossa organização societária, porque se o fosse, os currículos escolares seriam evidentemente diferentes daqueles que hoje são regra no ensino escolar oficial. Essa diferença seria visível numa maior aposta na componente social, onde uma ética fraternal entre os seres humanos seria objetivo maior, em lugar de privilegiar o deus-capital que a componente económica e financeira cada vez mais, por via desse privilégio que é ter o sistema montado para gerar os seus servos, alarga a sua influência, arrastando consigo e trazendo à superfície tudo o que de pior o ser humano aloja em si. Luta pelo poder, competitividade a vários níveis, individualismo, egoísmo, má fé, etc, etc., estando todas estas fraquezas ligadas entre si. Para que a sociedade possa caminhar em unicidade, torna-se indispensável que a intervenção ocorra logo nos primeiros anos de escolaridade, proporcionando como matéria nuclear às camadas jovens e em fase de aprendizagem, uma cultura de fraternidade. Sem este ingrediente vital, muitos COVID’S e outros males continuaram a encontrar terreno fértil para proliferar.