Crónicas

Chuva de Verão

Em Agosto não havia pior do que a chuva. Eu achava o mesmo, mas pelas imensas oportunidades que um dia de praia significava

A chuva nos meses de calor está lá na memória do Verão como as ameixas, o cheiro a bronzeador e a sandes de ovos mexidos e chouriço, quentes e transpiradas pelo sol da praia e que calavam a fome nos dias em que, logo de manhã, me levantava a cedo para apanhar o autocarro das oito e meia.

O lanche, o champô e o sabonete, mais a toalha e o biquini, ia tudo dentro da bolsa, enquanto palmilhava o caminho do Savoy ao Lido e rezava pelo sol, que, ali, a meados dos anos 80, bonito era um bronzeado intenso e valia quase tudo para ficar com as senhoras dos anúncios, que surgiam nas páginas das revistas de papel lustroso, quase sempre em francês, que a minha prima Ana comprava.

E não havia pior contrariedade do que acordar numa manhã de Agosto com chuva grossa, daquela que deixava um rasto de poças de água e derrubava as estacas dos “não-me-deixes”, umas flores às quais a minha mãe se dedicava com afinco. Nunca mais ouvi falar delas, mas lembro-me de que se guardavam sementes de um ano para outro, que as roxas eram as mais raras e que esse processo ocupava muito as mulheres lá por cima no Laranjal.

Os miúdos trocavam cromos, as mulheres partilhavam sementes, socas, rebentos de uma variedade de flores e plantas e preocupavam-se com o tempo. Em Agosto não havia pior do que a chuva. Eu achava o mesmo, mas pelas imensas oportunidades que um dia de praia significava. Ao menos para mim que, sem muito com que me entreter, imaginava que, quem sabe, talvez fosse o dia, aquele em que estava a chover, o tal que o destino tinha programado para conhecer um rapaz, um namorado, um exactamente como o Michael J. Fox.

Eu achava que era bonito e popular, que tinha o corte de cabelo e usava as roupas certas e a chuva de Verão, que levantava calor, afligia-me também por pensar na minha roupa e nos meus sapatos brancos, o melhor que tinha e combinava bem para dias sol, mas que haviam de se sujar e estragar, que os carros iam cortar pela água e deixar-me respingos de lama nos tornozelos. No fim, se alguém me visse depois, teria mais a imagem de uma miúda dos arrabaldes, que, para chegar ao destino, atravessara uma tempestade.

Uma princesa não atravessava tempestades e, quando lhe calhava o azar, não se parecia comigo, com a t-shirt colada às costas pela transpiração e pela água da chuva, os pés frios e ensopados, a pele suada e brilhante. Definitivamente, eu não era uma princesa e, embora me tenha custado perceber isso, escolhi ser a rapariga do Laranjal, pronta para viver a bonança ou enfrentar a tormenta.

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