A Quinta pedagógica vista por um agnóstico
O Pe. Rui separa Deus de César. Como não foi ao “beija mão”, não tem direito às “boas graças”
Até 1999 a Calheta, em termos turísticos, não existia e os Prazeres eram, para os “comuns mortais”, uma mera tabuleta na estrada regional. Esta situação perdurou até 2000, ano em que o Pe. Rui abriu a Quinta Pedagógica dos Prazeres. Fê-lo sem apoios oficiais, apenas com alguns subsídios europeus e com recursos da fábrica da igreja, estabelecendo um protocolo com o Jardim Zoológico de Lisboa, que forneceu o know how para a construção de instalações e alguns animais. Até essa data muitas crianças da cidade não tinham oportunidade de estar em contacto com uma galinha, um pato ou um coelho vivos, quanto mais com emas, lamas e porcos do Vietname cedidas pelo Zoológico, porque nenhuma outra entidade pública tinha tomado a iniciativa de criar uma estrutura do género, importante para a educação das crianças, cada vez mais urbanas.
A quinta foi um sucesso, atraiu pessoas, criando a oportunidade para o desenvolvimento dos três restaurantes existentes e as condições para abertura de mais seis. Como homem do Vaticano II, acreditando numa igreja inclusiva, que atraísse um novo tipo de fiéis, o padre Rui, homem na linha do Papa Francisco, procurou dinamizar a vida dos Prazeres, com toda uma série de iniciativas à volta da Quinta Pedagógica das quais, para além da produção de chás, compotas, licores, sidra e vinagre de sidra, se salienta toda uma série de eventos ligados à cultura tradicional, desde a bênção dos animais, a festa das camélias, o concurso de espantalhos, o leilão de galos, a debulha do trigo e a festa da sidra, entre outros. Criou ainda uma galeria de arte, promoveu residências artísticas, alojando os artistas na casa paroquial e abriu em colaboração com Pe Nóbrega, um herbário com o nome deste, em homenagem ao sacerdote e botânico. Para além destas iniciativas, adquire as matérias primas aos produtores locais, pratica uma forma de comércio justo, porque até aí os intermediários compravam a fruta nas árvores, pagando aos produtores o que lhes apetecia.
Toda esta série de eventos colocou os Prazeres no mapa. Estamos, porém, numa terra que nivela por baixo e onde qualquer iniciativa põe em causa os medíocres e a tradicional “invejidade” campeia. As reações não se fizeram esperar, da parte de alguns dos colegas do Pe. Rui, com uma mentalidade e uma praxis anterior ao Vaticano II, centrada mais no “temor a Deus” do que dos valores conciliares, tão do agrado de Francisco. Estas criaturas devido à sua preguiça, inveja e incompreensão, sentindo-se ameaçados, aliaram-se contra o Pe. Rui, alegando que toda a ação por ele desenvolvida “não era trabalho de padre”. Preferem naturalmente “ficar sentados”, contemplando as suas igrejas cada vez mais vazias. A estas vozes reacionárias, alia-se uma legião de beatas que não entendem bem o que passa, ressabiadas por perderam a sua condição de “donas” da igreja e por entenderem que a igreja deve ser apenas para rezar.
Por o seu lado, o regedor (estamos a falar do concelho mais salazarento da Madeira) sente que ficou à margem deste surto de desenvolvimento e que não teve o protagonismo que julga merecer.
Para completar a “tempestade perfeita” temos o GR e o PPD-M. Esta gente não pode admitir qualquer iniciativa que fuja ao seu controlo. Não pode “matar” a iniciativa, até porque não tem nada que se pareça para oferecer. A única coisa que tem, são meia dúzia de veados na Quinta da Junta no Santo. Ofereceram em tempos uns cangurus, mas os iluminados decisores colocaram nesta quinta os bichos que vieram da Austrália e estes morreram de frio. O GR não mata, mas não ajudando, “deixa que se afogue”. A Câmara da Calheta deu 30.000€ para ajudar a que a quinta se mantivesse de dezembro até agora. Em contrapartida, para as escolas privadas elitistas e excedentárias, o GR dá 25.000.000€.
O problema principal é que o Pe. Rui, ao contrário da grande maioria dos seus pares, separa Deus de César. Como não foi ao “beija mão”, não tem direito às “boas graças”, nem às respetivas benesses.
Todos os dias ouvimos os membros do GR falar de exportações, da diversificação da economia, de produtos de qualidade, blá, blá, blá. Acontece que os produtos da Q. Pedagógica, desde os licores, às sidras, aos vinagres, às compotas, têm uma imensidade de prémios de MELHORES DOS MELHORES”, bem como variadas medalhas, algumas internacionais e de ouro. Há pouco tempo, no Chile, uma das suas medalhas de ouro foi entregue ao Embaixador de Portugal. Tanto quanto sei, o Pe. Rui disponibiliza gratuitamente o seu conhecimento, dispondo-se a ajudar os que se querem iniciar naquelas lides. Estes produtos têm lugar assegurado nos mercados gourmet mundiais. Simplesmente não é possível satisfazer a procura apenas com produção artesanal, nem esta dá para sustentar a quinta. O que anda a fazer o Secretário da Agricultura? não enxerga para além da banana? e o da Economia? Se estes governantes não fossem de tão vistas curtas e tão sectários, ou se estes produtos e iniciativas fossem da autoria dum boy ou girl qualquer, haveria subsídios à “molhada” e já estariam a ser produzidos em maior escala na zona Franca.
Veja-se a diferença de tratamento dado por Albuquerque, na RTPM, ao prémio ganho pelo gim da R. Brava e à completa omissão em relação à imensidade de prémios da Quinta Pedagógica.
Já imaginaram o impacto que uma produção industrial, de qualidade gourmet, cuidada e certificada, de elevado valor comercial, teria na agricultura regional? Ao contrário do que acontece agora, o agricultor produzia a fruta e vendê-la-ia a preço justo, em vez de plantar semilhas para as vender a 25 ou 30 cêntimos ao intermediário? Está provado que não temos aptidão para competir na quantidade, porém o mercado do pouco, muito bom e de grande valor, está aí, à nossa espera e nós “a dormir à sombra da bananeira”.
Para ajudar à festa, alguns dos restaurantes, que existem porque têm clientes atraídos pela dinâmica gerada pela quinta pedagógica, boicotam os produtos da quinta, não os consomem nem os vendem, preferindo os produtos espanhóis, na ganância de maior lucro.
Com tanta adversidade e campanhas na imprensa contra si, não sabemos até quando terá o Padre Rui força para manter a Quinta aberta. Perspetiva-se mais um Triunfo dos Porcos, só que, ao contrário dos de Orwell, os porcos não se encontram dentro da quinta.