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Baltazar Dias e a feira da Ladra

De todos os poetas dramáticos portugueses, é este o mais conhecido e amado pelo povo; tinha o segredo com que fazia entender-se pela grande e ingénua alma da multidão. Teófilo Braga

Baltazar Dias, séc. XVI, poeta cego, natural da Madeira, é autor de muitos textos, principalmente peças de teatro. Entre as suas obras encontra-se o Auto da Feira da Ladra, que foi incluído nos livros proibidos do Índex de 1624, assim como foi incluído no Index o Auto do Príncipe Claudiano, entre outros. Tudo o que escreveu foi estropiado pelo Santo Ofício, disse Teófilo Braga.

Estes são alguns dos seus muitos versos, no Auto de Santo Aleixo, escrito por Baltazar Dias:

Riqueza não hei mister,
Porque eu pobre nasci,
E pobre hei de morrer;
Não quero, Senhor, de ti
Senão poder-me sofrer.

Rogo a tua clemência,
Se pobreza me quer dar,
Que me queira consolar
Com alguma paciência
Para não desesperar.

Venda da fortuna

O texto do Auto Feira da Ladra perdeu-se, mas sobre Baltazar Dias há esta lenda, ocorrida na Feira da Ladra: Numa barraca, entre várias bugigangas, um feirante anunciava pequenas caixas mágicas, de madeira, embrulhadas em pano fino, finalizado com bela fita. Apregoava o vendedor que a caixa está benzida e transporta a sorte no interior. Mas quem a comprar tem de a manter fechada, para beneficiar da fortuna. Se o possuidor ver o conteúdo da caixa, o maior dos azares cairá sobre o dono da caixa.

Baltazar Dias, percebendo que se tratava de um embuste, disse ao vendedor, alto e em bom som, que queria comprar a fortuna, mas com a condição de a abrir já ali, à frente de toda a gente, queria ter o prazer de ter a fortuna na sua mão. Não teme o azar porque, sendo cego, nunca poderá ver o conteúdo da caixa.

- Oh não, não… - Respondeu incomodado o feirante, que recusou vender a caixa. O vendedor passou a dar outra explicação: - Quem abrir a caixa a sorte em azar se transformará, mesmo sem ver o interior!

O vendedor nunca imaginou que teria um cliente cego, que o obrigou a alterar o pregão.

*) Escritor e Presidente da República, em 1915, in Historia do Theatro Portuguez: Vida de Gil Vicente e sua Eschola, século XVI (Imprensa Portugueza-Editora, 1870, Cap. X, p. 281).

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