Análise

Bailinho de máscaras

Governo que se preze não decide em cima do joelho. o “Logo se vê” é convite à anarquia

A Madeira levou um bailinho à conta do episódio das máscaras obrigatórias na rua e de uma assentada não só foi ridicularizada por manifesto abuso de poder, como desperdiçou a oportunidade de assumir-se como pioneira mundial no bom senso sanitário.

Como o bem maior é a vida, o que julgamos ser inquestionável, convém que o seja sempre e não só quando dá jeito, para relembrar quem manda, “quer queiram quer não”, ou para confirmar que a incoerência é um modo de governar. Não faz sentido afirmar num dia que este é o destino mais seguro do mundo e no outro instalar a desconfiança com medidas mal amadurecidas e pior comunicadas. Não faz sentido policiar a diversão, dispersar ajuntamentos, incentivar o distanciamento e depois dar maus exemplos e tolerâncias de ponto no dia do rali para que os convívios ocorram em profusão. Não faz sentido dividir e ostracizar madeirenses, só porque uns são contra a forma compulsiva como tudo se decide e outros estão a favor de uma atitude preventiva legítima, mesmo sem grande sustentabilidade científica.

O uso de máscara em espaço público aberto não se faz por decreto, mas por necessidade. E bastava uma recomendação. Na prática, ia dar o mesmo, sem complicações, nem abusos de poder. O povo dito superior é bom a cumprir. Habituou-se a fazê-lo, muitas vezes sem questionar. Só que agora tornou-se incómodo. Cobra. Vê para além do óbvio. Exige explicações.

Neste episódio o que sobra é eloquente. O espalhanço comunicacional de Pedro Ramos; a transformação da ARAE em polícia regional; o ‘delay’ reactivo de três dias da ACIF ou da AHP ao invés da petição de geração espontânea; a promoção à borla no destino Madeira na imprensa internacional com efeitos imprevisíveis; a descoberta do twitter por Jardim, confirmando que cada lugar tem o Trump que merece; e as queixas que já chegaram à Justiça dizem muito sobre a forma leviana como algumas decisões são tomadas e aplicadas. Já foi assim com a proibição de jornais e com outros expedientes decretados em plena crise pandémica. O “logo se vê” atenta contra a responsabilidade executiva, que de facto não se esgota na argumentação da constitucionalidade ou da base legal.

A retoma dinâmica do destino Madeira que desde 1 de Julho começa a devolver a esperança à Região deve ser tratada com cuidado redobrado por todo o governo. E por cuidado deve ler-se zelo pela saúde colectiva, comunicação objectiva e assertiva, propósitos bem definidos e sim, se for preciso, desenhos. Há quem não chegue lá de outra forma. As imagens valem mais do que mil palavras, sobretudo quando as que são utilizadas em simulacros de conferências de imprensa induzem em erro, provocam o caos e geram a revolta.

No início da semana André Barreto partilhou no DIÁRIO uma opinião que todos os repentistas e aprendizes da relativização da normalidade deviam revisitar. O governo nem sempre tem tempo para ler, mas se o fizesse constataria que se queremos ter futuro importa parar para pensar no presente. Sobre esta equação, julgamos que nem é preciso fazer desenhos.

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