“Paraíso” regressa depois do intervalo
O que Marcelo promoveu com mestria foi num ápice esbanjado sem pudor
Num curto espaço de tempo, o Porto Santo é notícia pelos melhores e piores motivos. É no que dá estar na moda, com capacidade redobrada para atrair famosos e mimá-los, de modo a que na ilha se sintam em casa ou no “paraíso”, disso dando conta nas redes, aos amigos e às revistas. Agradeçamos pois a Marcelo Rebelo de Sousa, a Fátima Lopes, a Jorge Gabriel, a Pedro Fernandes e um sem número de turistas nacionais que tudo fazem para mediatizar a parte mais estival do nosso território, e também por isso mais sazonal e vulnerável. É no que dá ser tratada como mera colónia de férias por muitos madeirenses que nunca compreenderam que a grandeza das pessoas não é ditada pela geografia e classe social ou pelo dinheiro e heranças, a que se juntam os que se soltam que nem feras de rígidas mas frágeis amarras educacionais e os que, sem mundo, nem fundo, fazem em terra alheia o que não ousam praticar entre portas, julgando que o outro é sombra e que o espaço colectivo onde foram largados não é de ninguém, logo, palco privilegiado para distúrbios e violência, alienação e ruído, ilegalidade e delinquência. E é no que dá generalizar pois, por estes dias, como em tantos outros no passado, na maravilhosa ilha nascem amizades que ficam para a vida, convívios que fortalecem famílias, paixões que consolidam o futuro e até bebedeiras que serviram de emenda.
O Porto Santo sempre foi palco para contendas, com origens em misturas explosivas com consumo garantido ou em reles ajustes de contas ancestrais. Sempre foi o espaço para a evasão sadia em que a rédea solta era compaginável com as descobertas, por vezes exuberantes, a condizer com a extensão e especificidade do areal. Sempre foi um lugar de sonho que, nos últimos anos, conflitua com alguns pesadelos, com a estranha cumplicidade de quem já devia ter resolvido os problemas de forma implacável e não o fez, porventura, por ter algumas culpas no cartório.
As noites longas e bem regadas não explicam tudo. Muito menos agora que a pandemia e as crises a esta associadas deixam marcas nem sempre visíveis, mas que derivam de disfunções diversas. E a mais evidente é achar que na ilha cabem todos, nos mesmo moldes dos anos anteriores, embora ao abrigo de regras diferentes em nome da saúde pública. O cocktail torna-se nefasto, sem que ninguém tenha mão na desordem, nos ajuntamentos, na invasão da propriedade privada com a PSP a limitar-se a considerar a anarquia documentada como “situações empoladas pelos mais diversos e contraditórios interesses” e o povo que não quer chatices a exigir reforço de policiamento.
Se é certo que ninguém vai para o Porto Santo com intenção de se deitar cedo, de passar o tempo a contar grãos de areia ou a caçar gambuzinos, a bordar ou a pedir que chova, ou com o propósito de melhorar o ranking de bom comportamento e de ensinar o que quer que seja a quem ali vive, não é menos verdade que quem escolhe a ilha como destino - presume-se que ninguém tenha ido obrigado ou forçado a cumprir castigo - devia comprometer-se a respeitar as regras propostas e comunicadas à partida para que o descanso não fosse perturbado; para que a animação fosse circunscrita a zonas específicas, - como já foi em tempos por determinação do Governo, opção que a Câmara local na altura nas mãos do PSD ridicularizou; para que todos pudessem ser felizes sem penalizar terceiros; e para que os indesejados não voltassem ao local onde já fizeram patifarias. Há muitas formas de evitar a triste repetição dos episódios reveladores de mau gosto e de desprezo pelo bem comum, monitorizando viajantes, vigiando cadastrados, aplicando sanções exemplares aos prevaricadores, diversificando a animação e responsabilizando quem pode fazer a diferença pela positiva.
Mesmo que acendam velas às ‘sete senhoras’, entre as quais a da Graça e a padroeira que nos ampara desde o Monte, há uma tarefa terrena que importa desenvolver de forma sistemática e prudente, sob pena de hipotecarmos um futuro pautado por valores que assegurem o bem-estar e paz de quem escolheu o Porto Santo para viver ou para passar férias.
Devem por isso os eleitos tudo fazer para reduzir o risco de reincidência. Devem as autoridades ter pulso e legitimidade para intervir. Deve a cidadania activa não tolerar cenas e posturas que atentem contra “a jóia mais antiga”.