Os boieiros
No alto campanário da igreja daquela aldeia, tocava o sino as trindades lembrando aos fiéis as avé-marias, anunciando assim um final de dia de árduo trabalho.
Já o sol não se via e a lua despontava de detrás dos picos, iluminando os camponeses que regressavam a casa de pés descalços, carregando às costas os produtos colhidos da terra e as ferramentas utilizadas na faina agrícola.
Da serra desciam os boieiros ao lado dos bois, que puxavam as corsas carregadas de feiteira, ladeira do senhor Marques abaixo, naquela freguesia de Santana (mesmo junto ao cantinho onde eu nasci e fui criado). Quebravam assim o silêncio da aldeia com o tilintar das campainhas dependuradas no pescoço dos animais, só interrompendo o seu dlim-dlim aquando a paragem dos mesmos, sob o comando do boieiro que os fazia parar emitindo um som oral. Bastava aquele UAA e os bois se quedavam, enquanto o seu mandante ia matar a sede na fonte ali mesmo à berma do caminho, onde ainda algumas mulheres aparavam água nas suas bilhas para cozerem a ceia e o cantar da água ao encher as vasilhas, parecia entoar com a música das campainhas dos bois como que, se de uma percussão se tratasse.
Para trás ficava o cheiro da feiteira seca, mais o cheiro a queimado da madeira das corsas, que aquecia devido à fricção destas com a calçada. De igual modo ficava também o cheiro do sebo que derretia enrolado num pano, ao ser passado debaixo das corsas para estas escorregarem melhor e amenizar o efeito do calor provocado por essa fricção, evitando que a sua madeira queimasse. (qual poluição, era tudo muito natural, muito saudável).
O suave deslizar das corsas naquela ladeira, era um aliviar da canga que pesava sobre os bois, arrastada pela força destes possantes animais, já cansados pelo esforço que faziam com o pescoço enfiado entre dois canzis ao longo de todo o percurso, com maior relevo na subida dos rebentões que antes tiveram de subir. Era um meio de transporte muito usual, não só naquela ladeira, mas também por toda a Santana.
Iam calcorreando caminhos, estes homens com seus bois numa forma de ganhar o pão, já que, cobravam este serviço ao frete.
Passado o tempo da feiteira seca, que era guardada para fazer cama ao gado durante o inverno, estes serviços eram menos solicitados, embora ao longo do ano houvessem outras cargas a transportar como por exemplo lenha, madeira de pinho serrada nos pinhais, também produtos agrícolas e outras cargas ocasionais.
O limite de peso da carga para as corsas era calculado mentalmente pelo boieiro, pois não eram todos iguais, porque havia bois mais possantes e menos possantes. Os preços por cada frete variavam consoante a distancia percorrida e o peso transportado, sem pagar qualquer imposto.
Terminada a tarefa do dia, os bois eram guiados pelo candeeiro (pessoa que ia à frente dos bois) para o palheiro, onde lhes esperava uma refeição reforçada e um merecido descanso até ao dia seguinte.
E já noite fechada, fumegavam as cozinhas com o fumo da lenha queimada, que cozia a ceia à espera desses homens e demais campinos, que encetavam o almejado regresso ao aconchego do lar, para saciarem o estômago, já bem carente daquela sopa quente que os esperava, ao mesmo tempo que se ouviam, as ultimas cantadelas dos galos nesse dia.
Provérbio popular:
“Nunca se gaba os bois, antes de subirem o rebentão”
José Miguel Alves