Presidenciais norte-americanas motivam preocupações
As Presidenciais norte-americanas de novembro têm suscitado preocupações sobre irregularidades e falsificação de votos, algo que o politólogo Akram Elias atribui ao aumento da "liberdade de expressão" e a um "ciclo noticioso de 24 horas e instantâneo".
"Quando o ser humano é confrontado com incerteza e desconhecimento, aparece a ansiedade, e a ignorância joga na mistura" refletiu Akram Elias em entrevista à agência Lusa, acrescentando que a tecnologia e o ciclo noticioso servem como uma plataforma de amplificação dos medos que são expressos com liberdade.
Desvalorizando o que aparentam ser possibilidades de neutralização de votos por correio nos EUA, Akram Elias, com mais de 30 anos de experiência em consultoria política que existem, há muitos anos, formas e medidas de proteger a veracidade e regularidade das votações.
Segundo o fundador de um grupo de consultoria que oferece serviços a governantes e clientes privados de todo o mundo, a supervisão das eleições por membros da sociedade civil, voluntários e representantes políticos em todas as estações de voto nos Estados Unidos asseguram a integridade e transparência dos resultados.
Reconhecendo que os EUA vivem atualmente "um período duro", Akram Elias declarou que o país já passou por eleições em várias fases tumultuosas da história, que as pessoas tendem a esquecer.
"Deve haver um esforço educacional, assim como também não se podem descartar as preocupações, por mais irracionais que pareçam", defendeu o especialista, fazendo uma comparação da atualidade com a década de 1930 nos EUA, marcada pela Grande Depressão.
Orador em numerosos seminários e 'workshops' em áreas diplomáticas e políticas, Akram Elias colocou em perspetiva o "desconhecimento trazido pela pandemia de covid-19", em que o futuro é incerto, com a frase de Franklin Roosevelt, Presidente dos EUA de 1933 a 1945: "A única coisa que devemos temer é o próprio medo".
O atual Presidente, Donald Trump, que não é político de carreira, já manifestou dúvidas quanto à integridade dos votos por correspondência, admitindo o adiamento da votação, marcada para 03 de novembro.
"É normal" haver alguma preocupação sobre a eventual insegurança do voto por correspondência, mas existem várias formas de proteger a veracidade, que os Estados Unidos empregam há muitos anos, contrapôs Akram Elias.
Explicando que as leis sobre as votações variam consoante os 50 estados da federação, Akram Elias disse à Lusa que "há sempre uma ideia de parceria" e de envolvimento dos maiores 'stakeholders' (partes interessadas), que é "fundamental" para impedir que haja irregularidades nas eleições.
Em primeiro lugar, "em qualquer eleição há observadores que vêm [às estações de voto] para representar grupos da sociedade civil, estar presentes, assegurar que a integridade das eleições é preservada e que há transparência", explicou.
Em segundo lugar, Akram Elias destacou que os cidadãos "são incentivados e convidados a serem juízes de eleição" de forma voluntária durante a operação das estações de voto e também na contagem.
"Por exemplo, eu já fui convidado na minha área local, para ser voluntário, para dar ao cidadão comum a possibilidade de ser juiz de prova", comentou Akram Elias.
Os partidos políticos também fazem parte dos intervenientes que asseguram a integridade das eleições, com representantes, em cada local designado, do partido Democrata e do partido Republicano.
A Lusa recolheu o testemunho de uma norte-americana que há seis anos é voluntária como "juíza de eleições" no Estado de Virgínia.
Olga Bashbush, que faz parte da equipa de comunicações do Departamento de Estado, disse que todos os voluntários recebem formação para as suas funções de avaliadores.
"Fui trabalhadora [voluntária] na eleição presidencial de 2016 e tínhamos representantes do partido Democrata, do partido Republicano, do partido Verde, e um membro da sociedade civil connosco, todo o dia, para supervisionar", acrescentou Olga Bashbush.
"Quando os votos terminaram, encerrámos os dispositivos de votação e estávamos a contar os votos, tinha quatro pessoas a observarem-me, perto da máquina, com um outro colega voluntário", lembrou, acrescentando que "tudo é muito seguro e observado".
Voto postal é incentivado a 88 milhões de eleitores e difícil para 55 milhões
Num universo de 234 milhões de eleitores norte-americanos, 88 milhões (mais de um terço) vão receber automaticamente papéis para o voto por correspondência, enquanto 55 milhões vão enfrentar processos mais complexos se quiserem votar por correio.
A pandemia de covid-19 tem obrigado os Estados Unidos a adotarem novas medias para o voto por correspondência, em preparação para a eleição presidencial de 03 de novembro, em que a reeleição do republicano Donald Trump vai ser contestada pelo candidato democrata Joe Biden.
Num sistema federal que permite que os 50 Estados tenham regras diferentes quanto às votações, as informações consultadas pela Lusa indicam que 88 milhões de cidadãos (37,6% dos eleitores) vão receber as medidas mais concretas de apoio ao voto por correspondência nas eleições de 2020, em 18 Estados.
Quatro Estados adotaram legislação para enviar boletins de voto para todo o seu eleitorado durante a pandemia de covid-19, elevando assim para nove o número de Estados que vão fornecer automaticamente os materiais finais de voto por correspondência, para um total de 44 milhões de eleitores.
Segundo contas feitas pelo jornal The Washington Post, outros 44 milhões vão receber, em casa, os papéis para poderem registar-se, caso queiram, no voto por correio.
Iowa e Montana são os únicos Estados republicanos que vão recorrer a medidas novas, concretas e materiais para incentivar o voto por correio durante a pandemia.
À semelhança do que já acontecia no Estado republicano de Ohio antes da crise sanitária, Iowa vai passar a distribuir, em casa dos eleitores, os papéis necessários para o registo no voto por correio, escusando deslocações adicionais.
Michigan e Wisconsin, dois 'swing states' - Estados que não mantêm um historial de tendência política fixa e que podem contar muito para um desempate entre candidatos -- vão, da mesma maneira, passar a enviar papéis de registo no voto postal para todos os eleitores.
A mesma decisão foi tomada por cinco Estados democratas: Delaware, Illinois, Maryland, Massachusetts e Novo México.
Montana (Estado tendencialmente republicano) dá um passo adicional, ao prometer enviar boletins de voto para casa de todos os eleitores registados, tomando o exemplo do único Estado vermelho (cor do Partido Republicano) que oferecia esta conveniência antes da pandemia, Utah.
Ademais, são vários os Estados democratas que vão enviar os boletins de voto para todos os seus eleitores. Califórnia, Distrito de Colúmbia (que engloba a capital do país, Washington DC) e Vermont tomaram esta medida devido à pandemia de covid-19, enquanto o Havai, Oregon e Washington já enviavam, por defeito, os boletins de voto por correio.
O voto por correio adivinha-se mais complicado em oito Estados, que requerem uma justificação dos eleitores que pedem esta opção, sem aceitarem a preocupação com covid-19 como motivo plausível.
No total, estas restrições abrangem 55 milhões de eleitores. Nova Iorque, que já foi considerado epicentro da pandemia nos EUA, mas está a registar um decréscimo de infeções, é o único Estado democrata neste caso.
Os outros sete Estados que não aceitam justificação relacionada com a preocupação com a covid-19 nas razões plausíveis para o voto por correio são maioritariamente republicanos: Carolina do Sul, Indiana, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Tennessee e Texas.
Donald Trump, do Partido Republicano, tem-se manifestado contra o voto por correspondência, alegando fraudes, que nunca foram provadas.
Dada esta posição do partido, é de notar que quatro Estados republicanos passaram a aceitar, temporariamente, a preocupação com a covid-19 como justificação na autorização do voto por correio: Alabama, Arkansas, Missouri e West Virginia.
Connecticut, tendencialmente democrata e New Hampshire, um dos 'swing states', também passam a aprovar justificações relacionadas com prevenção contra a covid-19.
Na prática, apesar de o voto por correio não ser livre naqueles Estados, vai ser mais acessível, já que os eleitores podem justificar a decisão com a existência da pandemia.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 736 mil mortos e infetou mais de 20 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência de notícias France-Presse (AFP).
Os Estados Unidos são o país com mais mortos (163.465) e também com mais casos de infeção confirmados (mais de 5 milhões).