O tempo do regresso
Rejeito todos os rituais narcisistas encomendados de culto oportunista, oco
O mês de agosto faz-me sempre regressar um pouco mais a mim. Encontro os meus caminhos e lugares calmos, novos e velhos. Não consigo verdadeiramente regressar sem revisitar os meus cantos. Colho os frutos de sempre e preocupo-me com as árvores não renovadas. Percorro estradas antigas e recordo cada paragem daquele autocarro velhinho que me trouxe até aqui. Lembro as lágrimas que fui guardando. Gosto da paz das manhãs. Entro numa igreja onde me sento, só. Mergulho nos livros adiados. Leio as ondas do mar. Apresso-me na areia quente que me vai queimando os pés. Deito-me impaciente e inquieto ao sol. Espero a chuva e ouço o vento. Procuro as razões eternas que me amarram e me afastam, que me adiam, que me prendem e libertam, que me assustam e acalmam. Molho a alma, hidrato a mente e refresco o corpo, que esqueço. Nunca renuncio à minha natureza incompreendida, na qual me encerro.
E, num tempo de grande incerteza, em que todos escrevem e falam desalmadamente sobre tudo, escondo-me e fujo. Rejeito todos os rituais narcisistas encomendados de culto oportunista, oco. Detesto o ridículo pandémico dos pseudo neo-pensantes, omnipresentes em pequenos palcos antagónicos onde se esticam e embrulham num teatro deprimente de desinformação. Crocodilos sem dentes. Comentadores de pechisbeque que, quando por coincidência se posicionam do lado certo da razão, rapidamente a destroem com argumentos colaterais menores. Não atingem o cerne e a essência das questões. Por isso não leio, não comento, não oiço, não falo. Ignoro. Confesso que admiro mais os que defendem genuinamente o irracional, com solidez de argumentação, do que estes caçadores estéreis que disparam com leviandade ao vento. E todos nós estamos fartos destes protagonistas ilegítimos.
Fujo, refugiu-me e regresso a mim, aos meus lugares e às ondas de agosto. E volto a mergulhar nos meus livros interrompidos por rotinas que me absorvem e me vão adiando. Há sempre muitas histórias revividas. Há sempre várias ondas e muitas marés. Mais marés que marinheiros, diz o povo sabiamente. Há mais mar, mais terra e mais caminho. Há mais sol e mais chuva. E existirá sempre um povo atento. Haverá mais vento e mais agosto. Aceito o tempo que passa, que me espera, e respiro. Mantenho-me firme. Planeio a renovação sempre esquecida das minhas árvores. Fecho-me e tranco-me numa espécie de esquizofrenia pura que me mantém saudável. Não sei se é o tempo que me faz regressar a mim ou se sou eu que regresso ao meu tempo, mas sei que é importante este tempo do regresso.