Artigos

Clarear a água

Tarda a modernização do sistema de rega, para aumentar a poupança e a eficiência da água

Dantes era preciso ir à fonte por ela. E escasseava sempre no verão e então havia que socorrer-se da fiel bica lá em baixo, junto ao ribeiro no fim da ladeira. E esperar pela sua vez de encher o aguador ou a púcara. Ninguém tinha água canalizada em casa. Hoje felizmente essa saga é mais uma memória estranha a quem já nasceu ao som da água do duche, ou do cómodo abrir a torneira na cozinha.

Já cansa, a periódica troca de argumentos recriminatórios entre responsáveis regionais dos assuntos hídricos e um ou outro município, quando a água é um bem que pertence a todos e se coloca num plano superior para além de ideologias. Não se entende os diferendos à volta de fornecimentos, consumos, tarifários, e perdas de água, e menos ainda a razão para contendas judiciais ou políticas sobre este bem indispensável à vida.

Em regra, neste oco debate, são municípios não aderentes à ARM e, nota de pormenor, governados por sensibilidades políticas diferentes. A fazer-nos crer que só naqueles concelhos é que se verificam perdas de água… Fica-nos por vezes a dúvida sobre a razão real para a criação de tal empresa pública, financiada pelo orçamento regional e pelos municípios aderentes: se foi para fazer esgrima política, ou para mobilizar meios e saberes regionais e municipais, de modo a operar a gestão da água, com uma intervenção adequada, contínua e sistemática, pensando em termos de presente e de futuro. “A situação atual das perdas de água na RAM ao nível dos 70%, é insustentável, quer financeira, quer ambientalmente, (…) o problema das perdas de água não é uma questão política, é uma questão de sobrevivência” (Rui Silva Santos, DN Madeira, 6 de agosto de 2020).

Todos os executivos municipais têm procurado responder às exigências que o boom urbanístico, o desenvolvimento da construção hoteleira, bem como o evoluir positivo dos novos padrões, hábitos e estilos de vida e cuidados de higiene – já ninguém vai em manhãs tiritantes pôr-se de joelhos nas pedras lamacentas dos ribeiros para lavar a roupa, e isso de tomar banho só ao sábado, já está ultrapassado, graças a Deus - colocaram a uma rede antiga, frágil, sem capacidade de resposta às atuais exigências do consumo de água.

Pode concordar-se, não ter havido o necessário priorizar da questão da água, por razões de ordem vária, de que a financeira, ou o estabelecimento de outros eixos na decisão executiva não será de descartar. Infelizmente, talvez tenha falhado a visão de futuro para além da pressão do calendário eleitoral e do período de mandato, ou talvez se tenha privilegiado outra intervenção mais sonante e suscetível de inaugurações vistosas… O peso da propaganda!

À gestão hídrica, importa adicionar o ordenamento da floresta, enquanto mecanismo não só de captação de água, mas sobretudo tampão fundamental na prevenção dos incêndios, como os técnicos tantas vezes afirmam. Desde 1976, mas mais recentemente, 2010, 2012, 2016 na RAM, e todos os fogos trágicos, ano após ano, deveriam fazer por no terreno uma política séria de tratamento da paisagem rural e valorização da floresta. Tarda a modernização do sistema de rega, para aumentar a poupança e a eficiência da água e promover a produção agrícola, com todas as consequentes mais-valias ambientais.

Quando acompanhamos o flagelo de fogos florestais – que ninguém consegue ou quer parar – é que entendemos a dimensão da água desperdiçada no seu inglório combate, quando urge preservá-la porque é finita, está ameaçada e pode não estar longe o dia em que as torneiras onde hoje comodamente vamos encher o copo para matar a sede, ou tomar o refrescante e higiénico duche, sequem de vez… Quem o diz são técnicos da regional ARM.

Fechar Menu