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Maior autonomia ou melhores Ideias?

Este modelo de desenvolvimento, de “mão estendida”, foi desenhado sobretudo pelos atuais “autonomistas”

A Madeira ciclicamente tem crises profundas, derivadas sempre das mesmas razões - as monoculturas. Na primeira metade do Séc. XV, tínhamos uma economia sustentada na agricultura, na produção de cereais que supriam as nossas necessidades e exportávamos inclusivamente para os Açores e para o Continente. A páginas tantas, uns iluminados e gananciosos terratenentes, descobrindo que a cana sacarina se aclimatava bem por cá, abandonaram a agricultura tradicional e dedicaram-se em exclusivo à monocultura da cana.

O Madeirense tem o costume de, quando constata que um vizinho seu cria um negócio de que ele nunca se lembraria ou teria a iniciativa de criar, imita o vizinho, criando um negócio igual, sendo por sua vez imitado, até que esse negócio que seria rentável para poucos, deixe de o ser para muitos. O Madeirense tem ainda a característica adicional de procurar o “mais fácil”, o que proporciona lucros mais imediatos, porque o futuro, quando chegar, logo se vê.

Com a exportação da cultura da cana e do seu know how, para outras latitudes, que produziam numa escala muito maior, com menores custos, o açúcar da Madeira, mais caro, “entrou por um cano”. Os donos das terras ficaram com as suas propriedades no campo e os seus palácios no Funchal, ao passo que os trabalhadores passaram mal, não tendo de comer.

A segunda grande crise foi a do vinho, produto que viera ocupar na economia o lugar deixado vago pela cana sacarina. Quando o oídio, o míldio e a filoxera, atacaram na segunda metade do século XIX, só a emigração, para o Brasil e Demerara sobretudo, pôde resgatar a sua fome. Entretanto 55 dos 70 comerciantes de vinho britânicos na Madeira “puseram-se ao fresco” para Espanha.

A terceira grande crise está a ser a do turismo. Desde o século XIX, até aos anos 60 do século XX, o turismo existia na Madeira, numa escala sustentável, com hotéis de qualidade, esparsos e dispersos no nosso anfiteatro, sendo a Madeira um destino de qualidade, caro e gerador de contingentes de turistas que se integravam na vida quotidiana dos madeirenses, sem sobressaltos nem hegemonia. A partir dos anos 60, uns emigrantes “espertos” e bem sucedidos provenientes nomeadamente da África do Sul, vendo que o negócio “dava”, logo imitados por alguns descendentes dos antigos donos do açúcar e do vinho, lançaram-se na indústria, baixando drasticamente os preços, procurando competir, não pela qualidade, como era apanágio até aos anos 60, mas pelo preço, pondo-o quase ao nível do sul de Espanha e do Norte de África. Antes da pandemia o turismo na Madeira teve um bom momento, justamente devido à Primavera Árabe, com toda a insegurança que trouxe a esses mercados. A Estrada Monumental e a baixa do Funchal têm alguns troços que já parecem o sul de Espanha.

O turismo representa atualmente cerca de 30% da economia da Região. Recorre predominantemente ao trabalho pouco qualificado, sazonal, sem vínculo efetivo às empresas. Este modelo de exploração é equivalente a uma monocultura e à semelhança da cana e do vinho, quando “dá para o torto”, como na atual pandemia, os descendentes dos trabalhadores da cana e do vinho passam por agruras semelhantes, pese embora a mitigação do sistema assistencialista emergente do Estado Social. A alternativa, ou complementaridade a este sistema, é a Zona Franca, igualmente perecível e completamente vulnerável à conjuntura dos mercados e aos ditames da UE.

Nunca, em tempo algum, se utilizou a autonomia para criar uma economia sustentável, baseada por exemplo e entre outros, numa agricultura pujante, assente na autossustentabilidade alimentar e na exportação de “primores”, devido ao nosso clima privilegiado e à proximidade relativa em relação aos mercados de consumo. O principal produto agrícola para exportação é a banana, super subsidiada, produzida ao dobro do preço da banana dólar, que, ao sabor dos humores comunitários ou da pressão dos poderosos lobbyes internacionais, corre a todo o momento o risco de ficar na bananeira.

Este modelo de desenvolvimento, de “mão estendida”, foi desenhado sobretudo pelos atuais “autonomistas”, que sempre governaram para que uma minoria prosperasse, sem se importar com a fatura a pagar no futuro, pelos nossos filhos e netos.

Utilizam todos os meios para se perpetuarem no poder, quando a lei não o permite, ignoram-na, como nos casos da dívida oculta, do IRS para as autarquias e no confinamento “obrigatório” em hotel. Usam também a tática do “contorno”, como nos casos das Sociedades de Desenvolvimento, que permitem que o GR continue a endividar-se para além do permitido por lei, ou o das Casas do Povo, controladas de forma absoluta pelo PPD-M, forma encontrada pelo GR de contornar as autarquias que não sejam PPD, “esvaziando” as suas competências, deixando para estas as “partes chatas” do apoio aos munícipes, reservando para as CP tudo o toca a “brindes” como apoios, subsídios e cabazes eleitoralistas. Veja-se o comportamento vergonhoso do PPD/CDS nas A. Municipais das autarquias da oposição. Sistematicamente votam contra orçamentos e contas, por razões levianas e pueris, mesmo que tal implique graves prejuízos para os munícipes, porque o que lhes importa verdadeiramente é que a oposição não possa apresentar obra feita.

Posto isto, entendo porque reivindicam mais autonomia, dava-lhes jeito por exemplo alterar a Lei de Finanças Regionais. Desse modo poderiam contrair mais dívida estendendo o seu pagamento para além de filhos e netos, também a bisnetos e trisnetos. Podiam também “governar” a justiça, assim calavam uns tantos live-pensadores, acabando de vez com a oposição e permitindo-lhes mais facilmente perpetuarem-se no poder.

A atual autonomia permitiu-lhes até agora fazer todas estas “patifarias”, tanto a obra feita, como a formação duma elite omnipresente que controla toda a economia e toda a política, está aí à vista de todos (excetuando os esqueletos no armário e os segredos bem guardados que mais tarde ou mais cedo virão à tona).

Entendo que, mais do que maior autonomia, precisamos de mais e melhores ideias, mas sobretudo seriedade e lisura e de outros protagonistas que prossigam o interesse público em vez do seu interesse pessoal e dos seus amigos.

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