Estamos no ano de 2035. António Costa continua a ser primeiro-ministro. Depois de acabar com os debates quinzenais na Assembleia da República, o PSD aceitou prolongar o mandato do governo de 4 para 10 anos. Tudo pela qualidade da democracia. Entretanto, foi revelada mais uma cláusula secreta do contrato de venda do Novo Banco. Por sinal, a décima quinta. O Estado é obrigado a nova injeção capital. António Costa promete que esta será mesmo a última vez. Depois da nacionalização, a TAP passou a ter um conselho de administração com 245 membros. 196 são primos de Carlos César e os restantes 49 são amigos do primeiro-ministro. Para suportar os custos com a administração, o Governo decidiu aumentar o preço das viagens para a Madeira. Em resposta às críticas, Costa garantiu que a culpa era de Passos Coelho.

O bom: Madeira a Correr

Este ano seriam 39 provas de atletismo, um pouco por toda a ilha. O vírus apenas permitirá 21, mas deixa intacto o espírito do Madeira a Correr. Todos os anos, ao longo do ano, centenas de atletas juntam-se na linha de partida de várias provas de atletismo para, no final da época, descobrirem quem foi o mais rápido. Essa é, felizmente, a parte menos importante da competição. Quem já madrugou para correr na estrada antiga que liga a Ponta Delgada a São Vicente ou quem já desafiou a subida interminável que nos leva de Santana a São Jorge, sabe que é assim. A estrada não conhece egos e dispensa altivez. Somos nós e ela. Gordos e magros, altos e baixos, jovens e velhos, homens e mulheres. Centenas juntos. A grande maioria - da qual faço parte - sem qualquer hipótese de ganhar uma prova e, ainda assim, irredutíveis na participação. Depois da paragem forçada, os atletas voltaram à estrada a 1 de Julho para a prova do Dia da Região. Uma corrida de cinco quilómetros pelo coração do Funchal. Uma das primeiras provas de atletismo na Europa, fez-se na Madeira, organizada e disputada por madeirenses. O orgulho pela organização, não ofusca a normalidade que a mesma nos devolve. A normalidade que o vírus nos fez ansiar. A mesma normalidade que quem nos visitará procura. Se a pandemia nos tirou a liberdade de forma repentina, a normalidade é nos devolvida aos poucos e nas pequenas coisas – como um simples evento desportivo. Uma andorinha não faz a Primavera, mas pode anunciá-la. Merecem reconhecimento os atletas, os voluntários e a organização do Madeira a Correr.

O mau: O milagre português

Mais do que de milagres, somos um país de milagreiros. Íamos no mês de Abril, quando o Presidente da República, fazendo juz ao epíteto, decretou o “milagre português”. Sem perder tempo, os milagreiros rejubilaram. Apressadamente, anunciaram-se torneios de futebol, festejou-se o 1.º de Maio, autorizaram-se comícios disfarçados de festivais. E depois dos banhos de praia e de gente para adoçar o ego, Marcelo e os milagreiros experimentam agora outro tipo de banho, de água fria: o da realidade. O vírus descontrolado na região de Lisboa, os transportes públicos pejados de gente, Portugal excluído do corredor turístico com o Reino Unido. O milagre virava pesadelo. Por pouco, a Madeira não era arrastada para a barafunda. Se há lição que podemos retirar do debacle nacional, é que, quanto ao vírus, o milagre mais provável é o da multiplicação.

A avestruz: A TAP

Se a TAP fosse um pássaro, seria uma avestruz. Demasiado grande, incapaz de voar e com a cabeça enfiada na areia. Ornitologia à parte, a anunciada intervenção pública na companhia exigirá aos contribuintes um sacrifício financeiro inédito. A dimensão dos números inebria. O orçamento suplementar reserva 1200 milhões de euros para a TAP e 504 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde. Em tempo de pandemia, gastamos mais numa companhia aérea do que na nossa saúde. O contraste dos números choca. Em defesa da nacionalização, dizem-nos que a TAP é estratégica, garante do serviço público e essencial ao turismo. Mas será que é assim? O primeiro sinal de que talvez não seja são os outros países europeus. Muito poucos, quase nenhuns, têm companhias aéreas públicas. De resto, toda a gente concorda que a TAP é estratégica, mas ninguém sabe muito bem em quê. Talvez seja o serviço público, a ligação às Regiões Autónomas. Desde 2008, a TAP está dispensada de qualquer obrigação de serviço público. Como diria o inefável Antonoaldo, a TAP voa para a Madeira enquanto der lucro. E, pelos vistos, dá muito. Questão distinta, e tantas vezes esquecida, é a obrigação do Estado em garantir essa continuidade com as suas ilhas. Para isso não precisamos de uma companhia aérea pública. Uma coisa é a garantia de ligação aérea, outra, completamente diferente, é a necessidade do Estado prestá-la diretamente. A primeira é uma questão de ideologia, a segunda de mera eficiência. Resta-nos, então, o turismo. A galinha dos ovos de ouro. O temerário ministro Pedro Nuno clama que a TAP transporta metade dos passageiros que nos visitam. Verdade em Lisboa, longe da realidade no resto do país. Apenas 8% no Algarve e 26% no Funchal. Se qualquer outra companhia pode fazer o que faz a TAP, porque é que o Estado vai comprar uma empresa falida e sem horizonte de rentabilidade? A conta, como sempre, pagamos nós.