Esta Região (ainda) é para jovens?
No pequeno (em número de páginas, mas enorme no valor e qualidade) Conto da Ilha Desconhecida (1997), da autoria do primeiro, e até agora único Prémio Nobel de Literatura em língua portuguesa – José Saramago –, aparece uma conhecida passagem que é não só uma explicação da realidade, mas simultaneamente uma metáfora e um ensinamento, por muitos mencionada, que aqui consigno: “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós” (p. 43).
A entidade aqui não nomeada é claramente o autoconhecimento – “se não sais de ti, não chegas a saber quem és” – a busca do eu, do si-mesmo, do sentido da vida e dos seus mistérios. No entanto, a ‘Ilha Desconhecida’ é também a história de todos os homens que lutam contra as convenções estabelecidas, que partem em busca dos sonhos impossíveis, de grandes feitos e de quem não se conforma com o que tem à disposição ou está predeterminado, para além da demanda de si.
Ora, para quem trabalha com jovens-estudantes, sobretudo aqueles que finalizam o ensino secundário na Região Autónoma da Madeira, lê e analisa este excerto com outros olhos e âmago. Neste arquipélago europeu, dotado de autonomia política e administrativa através do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, previsto na Constituição da República Portuguesa, as políticas públicas implementadas nas últimas décadas favorecem habitualmente quem está “dentro do sistema” e dificultam (e muito) a vida aos mais jovens. Este é um facto por muitos relatado. Quem acaba de fazer 18 anos e deseja/aposta (em) prosseguir estudos, em variadas áreas do ensino superior – universitário ou politécnico –, na maioria dos casos é obrigado a sair (este ano letivo tenho um ‘excecional’ aluno que irá estudar para a prestigiada University College London-UCL, uma das 15 melhores universidades do mundo).
Por outro lado, aqueles que perspetivam encontrar um emprego, auferir um salário justo/digno (e não mais um estágio não remunerado, emprego precário e um vencimento de pouco mais de 600 euros mensais), constituir família, projetar um futuro com dignidade, ter oportunidades de realização profissional, encabeçar novos e inovadores projetos, contactar com novas ideias, desenvolver e partilhar experiências com outras equipas, mas também poder satisfazer as suas responsabilidades familiares e procurar a felicidade, inevitavelmente também são forçados a sair. Pelas minhas contas, creio que mais de 80% dos meus atuais (e ex-alunos) pensam sair da Região (para além dos que já a deixaram), muitos para estudar, e uns quantos – com ou sem família constituída e filhos – para trabalhar. O número seguramente já ultrapassa o milhar. São jovens, formados no país, nomeadamente enfermeiros/as, médicos, arquitetos, engenheiros, jornalistas, professores, educadores,… mas também técnicos na área da mecânica, eletricistas, canalizadores, carpinteiros, cozinheiros, manobradores, bombeiros e, imagine-se, até licenciados em Turismo…, jovens que cedo percebem que a Região não lhes dá continuidade e valor ao seu esforço em termos de mercado de trabalho, melhor, que não é para eles e, assim, emigrar para outros países/continentes é/foi a única e melhor solução.
De boca cheia, os nossos governantes declaram na rádio, na televisão e nos jornais – mas também comentadores e ‘opinadores’ – que esta é a “geração melhor preparada de sempre” (o correto talvez seja dizer “a geração mais diplomada de sempre”), mas, conjuntamente, é a geração que não consegue sair de casa dos pais – ou que se vê obrigada a ela regressar por falta de oportunidades e formas dignas de autossustento – e que para inverter a injusta situação de emprego/desemprego que nos últimos anos enfrenta, é compelida a procurar um futuro além fronteiras. A este propósito, quem já se esqueceu de um primeiro-ministro que incentivou os jovens portugueses a emigrarem para procurarem emprego no estrangeiro, e que depois disse que isso não passou de um “mito urbano”? Ou de um vice-presidente do Governo Regional que afirmou que os nossos jovens não mostram grande apetência quando são chamados a trabalhar por turnos e para certas “atividades que não são apelativas”, mas esqueceu-se de mencionar a inerente precariedade, o valor dos salários, os abusos e, em alguns casos, o incumprimento da lei por parte de alguns empregadores?
Respondendo então à questão: “esta Região (ainda) é para jovens?”, creio que a resposta talvez se encontre na palavra “sonho”. Se os jovens da Região cessarem de perseguir os seus sonhos, abdicarem de desejar, de pensar e de se mexer – ou seja, renunciarem à ousadia que os caracteriza e se conformarem, como derrotados e não como construtores de oportunidades, então a resposta é afirmativa. Mas se forem do “tamanho do seu sonho” (Fernando Pessoa), então, nem a linha do horizonte que nos distancia do continente mais próximo é o limite.