Artigos

Cabo Verde: Estado da Nação e seus afluentes navegáveis

O Estado da Nação em Cabo Verde é de crise profunda. Mais, muito mais, profunda do que a diagnosticada. Insidiosa, pois não deu ainda todos os indicadores e esconde pela certa outros imponderáveis, impedindo que saibamos a exata gravidade do problema. Acreditamos saber, mas mesmo assim com humildade, que a crise já nos colocou na intersecção entre a ordem velha e nova. Em verdade, numa zona de sombra em que a velha ordem deixou de servir e a nova ordem ainda não nos está tão nítida. Diante disso, manda a prudência convocarmos todos a refletirem, a debaterem e a perspetivarem Cabo Verde dos próximos tempos. A crise, com todos os seus malefícios (e alguns deles à vista), é um divisor de águas e tem os seus afluentes navegáveis. Agora é sublimar a angústia e seguir em frente. Doravante, navegar é preciso...

*

Naturalmente que quaisquer soluções a procurar e a encontrar para o desenvolvimento não dispensam as conquistas históricas obtidas em termos de soberania e de democracia. Não serão soluções se relativizam a soberania e a democracia. Quero crer que o arquétipo prevalecente na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, promovida pelas Nações Unidas, ainda seja um compromisso válido para seguirmos viagem, enquanto Pequeno Estado Insular que não ambiciona cenário menos do que o Desenvolvimento Sustentável. Olhemos para a cooperação e a parceria Norte-Sul e Sul-Sul, assim como a Global, otimizemos a nossa pertença africana, ao Atlântico Médio e à extraordinária dimensão diaspórica, regionalizemos o arquipélago libertando o potencial das suas ilhas e, sejamos híbridos e anfíbios, olhando para a terra pequena e o oceano grande. Com independência e liberdade (e vastas liberdades)...

*

Aplaudo, com satisfação, que alguns municípios portugueses, entre eles Braga, Lisboa, Porto, Sintra e Vila Nova de Famalicão, tenham introduzido medidas inovadoras, segundo a ONU, no quadro da pandemia de Covid-19 e que estas devem servir de paradigma para que outras cidades do mundo melhorem as suas condições socioeconómicas, oferta de serviços públicos e resiliência para o futuro. Ao invés da assimilação acrítica e rançosa, de jaez vastas vezes saudosista, os nossos municípios em Cabo Verde poderiam olhar para as tais boas práticas recomendadas pela ONU e determinar se seriam mais-valia para a nossa realidade autárquica. Olhar para os outros, com consciência de si.

*

Em Portugal, mais uma assassinato racista. Desta feita vítima foi o ator luso-guineense Bruno Candé Marques, de 39 anos. Diante disso, os sucedâneos na política, na sociedade, na comunicação social e na rede social. É que a questão da violência racista não pode ser descontextualizada da barbárie e da desumanidade. As pessoas de bem, que há nesta sociedade, não podem relativizar e banalizar a discriminação, o preconceito e a violência, mormente o linchamento, baseados na raça, na cor e na diferença. Claro que há um racismo estrutural, manhoso e viscoso, vindo das malhas do império, e que, latente, ainda parasita a sociedade dita democrática. Uma das suas características é a negação, o ciclo vergonhoso do “eu não sou racista” e a estratégia é despotenciar esta criminalidade intensiva, mitigando-a como “problema meramente social”, operacionalizando-a numa desigualdade, marginalidade e pobreza...nunca dantes navegadas.

Fechar Menu