A Autonomia, a luta pela cooperação
Há que resolver de uma vez por todas as questões relacionadas com a continuidade territorial
Uma das maiores conquistas em 600 anos de história, da qual os madeirenses e porto-santenses muito se orgulham, foi a da Autonomia regional, por tudo aquilo que significa. Uma conquista que tendo sido adquirida, necessita de ser fortalecida e cujo sucesso depende do que formos capazes de fazer.
A Autonomia é a resposta mais eficaz a uma realidade intransponível: a insularidade. Foi graças à Autonomia que combatemos um centralismo enraizado que nos votava ao esquecimento, e nos permitiu superar um atraso estrutural, melhorando as condições de vida dos portugueses que vivem na Madeira e no Porto Santo.
São vários os riscos que a Autonomia enfrenta e muitos os desafios com que se defronta. A Autonomia corre o risco de falhar quando não se resolve o conflito institucional permanente com o Estado, na minha opinião, pela falta de um mecanismo de concertação formal onde as Regiões Autónomas tenham assento, e que lhes dê capacidade de decisão. Falta-nos serem atribuídos direitos de participação, que nos coloque nos centros de decisão, e que nos dê direito de poder decidir.
Falta consolidarmos uma cultura autonómica, fora dos excessos da dialética política e da gritaria entre o Funchal e Lisboa, fora de contaminações partidárias, que nos leve a perceber que não teremos sucesso se não nos articularmos com outros níveis de poder. Repare-se que mesmo os Estados soberanos, têm de convergir com outros poderes como os de Bruxelas. Precisamos de uma maior interação entre as duas Regiões Autónomas, como destas duas com o Estado. Uma Autonomia de cooperação para obtermos uma Autonomia de resultados.
Há que resolver de uma vez por todas as questões relacionadas com a continuidade territorial, pois não podemos estar dependentes da vontade política dos Governos da República, porque é um direito e não um capricho de quem vive nestas ilhas, bem como as questões financeiras, pois não pode haver Autonomia política sem Autonomia financeira.
Importa, pois, discutir o futuro da Autonomia, indo para lá da gestão corrente da agenda e das opções políticas dos governos de cá e de lá, tendo como objetivo o seu aprofundamento e até, não tendo medo das palavras, a sua refundação, a caminho que estamos da maturidade dos seus 45 anos.
A forma como politicamente tem sido usada a Autonomia tem reforçado o desconhecimento, a subversão e até a aversão em diversos espaços político-partidários e institucionais, de um país endemicamente centralista. A Autonomia será sempre a luta contra a subordinação, mas terá de ser também a luta pela cooperação.
A visão deturpada da Autonomia exige outra estratégia que releve o mérito dos madeirenses e porto-santenses naquilo que construíram e não no acessório que contamina o que de bom a autonomia nos deu.
Existem no continente preconceitos anti-autonomistas, tal como existem na Madeira preconceitos anti-nacionais. Isto não favorece a Autonomia, não promove entendimentos, e mais do que agravar diferendos políticos de ocasião, provoca sentimentos de repulsa pouco saudáveis, que afetam a unidade nacional, mas acima de tudo, fragilizam a Autonomia.
A questão das Autonomias não diz respeito somente aos madeirenses ou aos açorianos, é uma questão que diz respeito a todos os portugueses e é um assunto do maior interesse para o país, pelo valor acrescentado, seja político, seja económico, seja cultural, que estas ilhas dão a Portugal. Reforçar a Autonomia é reforçar a coesão nacional.
Mas para tal, não podemos falhar numa Autonomia, como modelo alternativo ao desenvolvimento historicamente centralista do Estado Português, se resumirmos esta a um constante gesto de mão estendida a pedir dinheiro a Lisboa. A Autonomia tem de fazer diferença nas áreas que estão regionalizadas e são da nossa competência: na educação, qualificando com excelência os nossos jovens, e investindo no conhecimento, na ciência, na cultura e na criatividade; na economia, diversificando-a e inovando-a nos seus sectores tradicionais, acelerando o desenvolvimento e a criação de emprego; na redução das desigualdades; no desafio demográfico e na coesão territorial dos concelhos mais despovoados; no ambiente e energia, com o impacto das alterações climáticas, no esforço da descarbonização da economia e da redução da dependência energética; e na saúde, garantindo o acesso livre e público aos cuidados de saúde, recuperando a confiança dos utentes e a motivação dos profissionais.
A luta pela Autonomia, de tantos homens e mulheres de diversos quadrantes políticos, não pode ter servido somente para os lamentos e queixumes constantes que ouvimos nos dias de hoje. Vamos de uma vez por todas decidir o nosso destino ou estar sempre à espera que os outros decidam por nós? Importa ter uma visão abrangente da Autonomia, para podermos virar a página, e utilizar os instrumentos e recursos que temos ao nosso dispor para resolver os nossos problemas, pelos madeirenses e porto-santenses. É isto que é ser autónomo.