As vítimas anónimas da Covid-19
A pandemia é um acontecimento que marcará as nossas vidas. Numa altura que um terço dos madeirenses vive com alguma forma de precariedade laboral, seja em Layoff, ou mesmo no desemprego, é preciso um sentimento de esperança e solidariedade.
As medidas europeias, nacionais e regionais, apesar de robustas, sem precedentes, levarão algum tempo para estimular a economia. Poderá demorar, mas a Madeira voltará a crescer, mesmo que tal nos pareça estar agora detrás do horizonte.
Temos a consciência que o turismo só existirá, na mesma dimensão que houver por esse mundo fora, um sentimento de confiança sanitária generalizado, mas também segurança económica pois, como parece evidente, ninguém viaja com incertezas.
Na saúde, as preocupações extravasam, em muito, a dimensão epidemiológica da Covid-19. Continuam a haver mortes e morbilidade de doenças cardíacas, oncológicas e muitas outras. A haver sinistrados e traumatologia, necessidade de reabilitar. A haver listas de espera para resolver, mas também investir na prevenção das doenças e nos cuidados de saúde mental. Refira-se como exemplo, já morreram no mundo este ano, mais doentes de diabetes do que desta pandemia.
Fui um dos profissionais que alertou atempadamente para confinar e de dotar o nosso sistema de saúde dos meios e da orgânica combater a Convid-19. Constato com agrado que tal tem sido conseguido na Madeira, mérito de todos os intervenientes.
Mas, com a mesma enfase, aviso que há “existe mais vida” no sector da saúde, do que aquela dedicada a combater esta virose. Os hospitais e os centros de saúde não podem ficar indefinidamente em “modo adiado”. Não se pode retomar a praxis anterior à pandemia, mas é preciso criar outra. É um erro dos decisores políticos, dos profissionais de saúde, mas também da população em geral, esquecer todos aqueles necessitados de cuidados de saúde abrangentes.
Tal deve ser sempre feito respeitando a segurança dos profissionais de saúde e dos doentes, respeitando os direitos laborais e valorizando os intervenientes.
Estes “erros” ocorreram. No SNS do continente, em parte pelo elevado número de casos positivos, a produtividade caiu muito e os mecanismos de monitorização mais transparentes, evidenciaram isso.
A Sra. Ministra da Saúde já admitiu que é preciso recuperar o tempo perdido e ser criativo na oferta de cuidados. Mas não chega! É preciso investir mais. Vão ser ativados os mecanismos de produção clínica adicionais nos hospitais públicos e vão usar-se IPSS e hospitais privados. E deverão ser valorizados, sem lirismos, os profissionais de saúde.
E no SRS da Madeira?
Apesar de aqui não temos esses mesmos mecanismos de monitorização, a lista de espera na Madeira é um “calcanhar de Aquiles”. É, em termos relativos da população, superior à realidade nacional. Como sabemos, nos últimos 10 anos, a espera para cirurgia cresceu de 10 para 20 mil madeirenses. É mais difícil recuperar aqui pois existe uma dinâmica de trabalho distinta, bem como uma herança mais complexa.
Como deputado no início desta legislatura, votei um programa de governo que previa reformas do serviço de saúde e um grande investimento na redução das listas de espera. Estava previsto este ano pela tutela, investir 15 milhões de euros adicionais nesta rúbrica, no público, mas também no recurso ao privado.
O ímpeto das reformas estruturais na saúde acabou e receia-se que a verba fique num dízimo desse valor. Tal a ser verdade, seria como negar aos madeirenses o direito constitucional à saúde.
E sabemos que existem profissionais de saúde disponíveis para colaborar com os serviços públicos. E unidades de saúde privadas competentes que podem, e devem, ser ativadas para as cirurgias e exames, aliás como defendemos vezes sem conta nos últimos anos. E a convenção médica tem de ser libertada dos constrangimentos existentes nos reembolsos. As soluções existem.
Entendo que a pandemia adiou decisões e investimentos, mas espero que o bom senso prevaleça. Que os decisores com mão no orçamento tenham consciência que há vítimas anónimas da Covid-19.
Aquelas que sofrem, e perdem a esperança, à espera por cuidados de saúde que deveriam ser prestados nos tempos clinicamente aceitáveis.