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Análise

Talvez no ano que vem

E era com essa roupa que eu subia o beco no dia da festa, com cabelo arranjado - a minha tia Conceição tinha uma escova eléctrica de fazer caracóis - e aguentava a missa cantada, com sermão feito por um padre de fora

As bandeiras estão em volta do adro, mas não me lembro da última vez que lá fui. Terá sido a meados dos anos 90, já depois da morte da minha mãe e não teve a mesma graça. A festa da paróquia fazia parte do nosso calendário, do que fazíamos juntas e, durante anos, foi o acontecimento mais importante das férias grandes. Não sei, sequer, se consigo explicar a importância da Festa de Nossa Senhora da Visitação naqueles meses parados e quentes.

O meu entusiasmo começava quando os homens saltavam de cima da carroçaria das furgonetas para montar as bandeiras, as estrelas de plástico e o buxo. Talvez seja preciso esclarecer que, lá por cima no Laranjal, não era costume haver outras festas. As pessoas dali trabalhavam durante a semana, arrumavam a casa ao sábado e ao domingo à tarde visitavam a família onde, com sorte, se organizava um torneio de bisca e cassino. Às vezes havia cerveja com laranjada e umas azeitonas, uns quadrados de queijo ou bolo cortado às fatias.

A festa era outra coisa, tinha uma banda a tocar músicas dos ABBA no coreto, um bingo e uma casa de chá no salão paroquial e uma roda a girar quase sem parar com rifas e prémios como galos palheiros, galinhas, bordados e bolos e garrafas de vinhos embrulhados no mesmo papel com se fazia joeiras. E trazia gente de fora, rapazes de mota e raparigas à procura de noivo, que, naquela altura, chegar aos 20 anos sem dar a saber à família que se estava para casar era mau sinal, era arriscar ficar para tia solteira.

Nem eu, nem a minha mãe tínhamos isso do noivo como principal preocupação. A festa era outra coisa, era a roupa nova, sair na procissão e estar até à meia noite fora de casa, a comer gelados e a tirar rifas no bazar da quermesse. A minha mãe arranjava conversa com as vizinhas, ficava a par das novidades e, às vezes, encontrava gente que estava embarcada, gente do tempo em que era nova. Lembro-me de como me parecia estranho quando dizia que uma senhora de meia idade, de cabelo curto com permanente e arrecadas de ouros nas orelhas tinha andado na costura com ela.

A mim parecia que não tinham sido novas, era capaz de jurar que tinham nascido mulheres de meia idade, com aquele gosto por permanentes e por vestidos como os que a minha mãe me queria comprar e que só davam para sair na procissão. Eu lutava muito nas lojas para trazer o que gostava (e já agora para trazer o que me servia, que era grande demais para os tamanhos das portuguesas dos anos 80). Só que essa guerra de amuos e ameaças - na quarta-feira antes da procissão - fazia parte daquilo e, no fim, sempre vinha uma saia e uma t-shirt, mais um par de sapatos.

E era com essa roupa que eu subia o beco no dia da festa, com cabelo arranjado - a minha tia Conceição tinha uma escova eléctrica de fazer caracóis - e aguentava a missa cantada, com sermão feito por um padre de fora. Lembro-me do calor, da roupa colada ao corpo, do cheiro a transpiração e a roupa guardada e de como isso se misturava com o incenso. Sei que, depois, no fim da missa, os homens carregavam o andor e a Mariazinha organizava quem ia a seguir na procissão. Eu fui muitas vezes, ali, à frente do andor, mas, os anos foram, depois, tirando o entusiasmo e a fé.

A festa, em si, perdeu brilho, e os rapazes foram procurar noivas noutras paragens e eu cresci, ganhei outros hábitos. Nos anos do curso, fazia a vontade à minha mãe e ia no sábado à noite, acho que gostava de mostrar a filha que estava a estudar, a minha mãe tinha muito orgulho nisso e no esforço que fazia. Depois a vida deu uma volta, ela foi-se antes dos 60 e eu quis ganhar asas, ver mundo e deixei de ir à festa da paróquia. Quem se sabe para o ano, quando isto voltar a ser mais ou menos como era, não vou lá matar saudades da adolescência e daquela miúda gordinha com sapatos brancos e vestido novo?

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